Artigo: O Ministro Celso de Mello e Capitu

A dúvida debatida constantemente há 113 anos é se a Capitu fazia sexo com o Escobar. Bentinho, o marido rico com o qual namorava desde a infância, a despachou para a Suíça; o filho Ezequiel pôs a estudar fora para não o ver, pois segundo seu ciúme, ele  era a cara de seu melhor amigo, o tal Escobar. Assim Bentinho, Bento Santiago ou Dom Casmurro se tornou casmurro. Esse foi o romance de folhetim, em forma de livro, que o mulato Machado de Assis publicou na novela das oito, digo, no mercado editorial de romances do ano de 1900. Talvez o mais famoso livro brasileiro, depois dos de Paulo Coelho, é, a exemplo da obra de Paulo Coelho, uma bobagem. No caso de Machado de Assis, muito bem escrita. Foi escrito um pouco antes do racionalismo alemão, da semana de arte moderna,  e narrava um drama iniciado em 1857, em que não se sabe se a traição é imaginária na paranoia do narrador que destruíra sua felicidade, da mulher e do filho ou se realmente ele vivia num mundo simulado pela mulher e pelo amigo. Nada de especial, o tema já era comum nos romances há tempos, por influência de Otelo do inglês Shakespeare. O amálgama que fisgava o leitor era justamente a crítica à moralidade do dominante, o branco descendente de europeus privilegiado pela Corte e com acesso a educação, uma espécie de classe média denominada de burguesia pelo burguês Karl Marx, na qual a menina pobre só poderia ingressar pelo casamento.

Desse enredo de amor, traição, imoralidade, sexo, sofrimento, superioridade do esperto  e miséria espiritual do rico vive a intelectualidade brasileira ligada ao entretenimento.  Quase toda a dramaturgia explora fartamente esses temas os reforçando paulatinamente. Essa fonte cultural embriagante da qual o povo bebe começou a jorrar com mais intensidade após a invenção do rádio, primeiro aparelho eletrônico de comunicação, imediatamente utilizado como instrumento de divulgação fascista em preliminares da Segunda Guerra.

Quando a televisão chegou as coisas ficaram mais simples. Nem precisaria que os adultos a vissem, apesar de a verem avidamente. Bastava deixá-las às crianças, pois crianças aprendem muito com o que presenciam.  Conhecedores interessados dos processos psicológicos, os controladores das mídias se favorecem amplamente com o comportamento  de pais e mães que expõem seus filhos a programações, nos dois sentidos da palavra, midiáticas, ou seja, de quem ganha dinheiro vendendo o comportamento do público para consumir certos produtos, para admirar certas classes ou grupos, votar e, hoje no Brasil, principalmente para se comportarem como se o Brasil fosse a zona do baixo meretrício do planeta em apoteose carnavalesca durante a copa do mundo para esbalde dos turistas que querem consumir mulher brasileira, o produto humano mais exportado do Brasil.

Paralelamente a eletrônica vinha sendo desenvolvida belicamente no intuito de derrotar o eixo na segunda guerra. Não que não houvesse pessoas inteligentes no  nazismo, mas o sistema e a lógica nazista privilegiam quem tem certa aparência, comportamento e ideais, com nuances de crendice, muito mais do que pela eficiência efetiva na produção de conhecimento e tecnologia.  Foi assim que o nazismo solapou a inteligência do Eixo e deu abertura para a inteligência Aliada ganhar a guerra.

Um dos muitos que ganharam a guerra pensando cartesianamente, como Einstein, foi  o judeu húngaro,  John von Neumann, um dos inventores da CPU e do código binário para cálculo de balística  para a marinha norte-americana, dando arquitetura a máquina cuja tela  você está usando para me ler.

Resumindo, outros maluquetes universitários da  maravilhosa costa americana do pacífico norte, especialmente da Califórnia, nerds que gosta(va)m de mountain bike, surf e outras amenidades, desenvolveram aparelhos de Von Neumann a preço acessível para o consumo das classes médias mundiais, como computadores pessoais e telefones portáteis com sistemas operacionais diversos, chamados de notes, tablets, smartphones,  mais recentemente se expandindo para outros aparelhos, como televisores, automóveis, óculos, relógios, livros, etc.,  que se conectam à rede também inicialmente desenvolvida pelas forças de defesa nacional e agências governamentais dos EUA, a Arpanet (1969), e entre  universidades e órgãos de pesquisa com supercomputadores IBM, chamada Bitnet (1981), entre elas a UFSC. Dessas redes de comunicação entre computadores desenvolveu-se a internet ou rede mundial de pessoas conectadas eletronicamente. Algo impensável em sistemas totalitários, de direita ou de esquerda. Obs.: Esse antagonismo político entre esquerda e direita é uma serpente de duas cabeças com uma cabeça em cada ponta tentando arrastar o corpo conforme sua vontade e se digladiando a mordidas, sem saberem ao certo ou pouco se importando se o corpo que mordem é seu também. São os extremos apaixonados, irracionais e mortíferos. Sem a esquerda viveríamos em sistemas produtivos de dignidade inferior à escravidão, como ocorria, por exemplo, na Rússia onde a panela de pressão explodiu matando milhões de pessoas, pela revolta, pela violência direta da tirania e muito mais pela fome e doenças que sistemas econômicos falhos não conseguem sanar, a não ser com a morte de parcela da população. Por outro lado, os avanços sociais e direitos trabalhistas dos países ditos capitalistas foram acentuados pelo temor causado pelos exemplos russo e chinês.

E o Ministro do STF? O Ministro, como todas as autoridades da parte civilizada do planeta não mais toma qualquer atitude sem que milhões de olhos fixos em telas de máquinas de Von Neumann bombando códigos binários os vigiem. Alguns sentem-se espionados, pois a obscuridade das cenas que cometem lhes é indispensável. Não há argumentos para a vilania. A solução sempre foi escondê-la ou dissimulá-la, pois a conhecemos muito bem, desde antes dos shows declamados pelo poeta Homero em eventos sociais na Grécia Clássica, sobre dramas ocorridos na era mitológica, assaz em demonstrar a astúcia da vilania  e as consequências desastrosas do sucesso dos vilões, sempre acompanhadas de muito sofrimento. Valores assim são sabidos ou sentidos pela humanidade desde que o homem sofreu a mutação da era gelada que terminou a uns 15 mil anos. O tema é esmiuçado nas obras sobre jusnaturalismo, positivismo jurídico,  uso alternativo do direito, e pluralismo jurídico ( V. Norberto Bobbio e Antonio Carlos Wolkmer). Recentemente, diante dos avanços das pesquisas no campo genético e psicossocial, tende-se a concluir que tais valores, como o de justiça, são intrínsecos ao ser. Tratam-se não de cultura, mas de componentes da formação da cultura. Não podem ser removidos  pela mídia, tampouco modificados, pois selecionados no código genético humano no desenvolvimento de sua capacidade associativa e compõem o banco genético de todos os seres humanos. Os autores das vilanias são notórios em todas as células, compartimentos, departamentos e ambientes sociais, em todas as escalas de importância, desde o coleguinha  até líderes governamentais. Esses, pela importância e quantidade de interesses que influenciam só são realmente observáveis efetivamente em grupos humanos de tamanho diminuto o suficiente para que todos os integrantes se conheçam mutuamente –  ou por obra da máquina de Von Neumann, o computador, que abriu orçamentos, contratos, agendas, julgamentos, tecnologias  e muitas outras informações,  úteis ou inúteis, aos consumidores de produtos de empresas que fabricam os referidos aparelhos, fornecem redes, serviços e produtos pela mesma rede mundial de pessoas eletronicamente conectadas. Nessa lógica, a rede só existe se existirem pontos e a natureza da rede será a natureza de ser dos pontos em conjunto. A tendência das lideranças é se nivelarem a um patamar próximo aos demais, tornando-se lideranças representativas com poder diretamente proporcional ao seu caráter e eficiência avaliados pelo julgamento dos pontos da rede, vale dizer as representatividades seriam legítimas. Desta divagação poderíamos conceber um novo marco social da humanidade, o da democracia direta proporcionada pela informação direta, que beneficiaria, como beneficia, o  lucro difuso em todo o planeta, especialmente da potência-mor, Estados Unidos da América do Norte, e outros integrantes, aliados e parceiros comerciais das colônias inglesas, cujo Reino implantou no Brasil, em 1815, o “Reinado do Brazil do Reino Unido de Portugal, Brazil e Algarves”,  sede do império português, na mão dos ingleses devido a sua capacidade produtiva manufatureira, tecnológica, naval e bélica, como hoje. A independência nesse passo ocorreria não pelo isolamento ou ruptura da rede, mas sim pela evolução de cada ponto, o que levaria a rede a propugnar pela sua própria qualidade na condição de resultado do padrão médio do pontos e não mais como simples peça produtiva (Marx) nem como mão de obra remunerada pelo espírito capitalista e conformada pela ética religiosa dos protestantes, num sistema comercial que, obviamente,  vive do consumo e por isso tem apreço a consumidores (Max Webber). Nesse passo evolutivo estaríamos  determinando nosso destino entre a vida livre e consciente como pessoas preocupadas pelo bem estar e longevidade dos seres humanos ou corremos o risco de seguir para a metáfora dos irmão Wachowski,  Matrix, em que pouco nos importará quem nos comanda, posto que inconscientes após optar pela pílula azul da mídia.

E o  Ministro?  A TV justiça e outros canais de comunicação oriundos diretamente do STF via internet, nos permitem, por graça desse sistema bélico-mercantilista que redundou nos gadgets interconectados ,  acompanhar as discussões de mentes brilhantes, na defesa de seus interesses e  de suas teses. Na última sessão do Plenário do STF, da ação penal 470, pude destacar os seguintes pontos: O STF está sendo mal lido pela imprensa que prefere o sensacionalismo e está aturdida  com a sessão em que a própria imprensa e sua atuação foi tema de críticas e ironias pelo Min. Marco Aurélio.  Foi a primeira vez que vi um integrante de Tribunal ser humilhado de forma tão contundente como o Min. Barroso foi pelo Min. Marco Aurélio que o chamou de novato e lhe atribuiu a evidência do pecado imperdoável para um juiz, a parcialidade, fazendo referência até mesmo a impedimento jurisdicional.  Marco Aurélio também Ironizou ao observar que os Ministros não precisam se preocupar com as ruas, pois agora os vidros do STF são  blindados. O Min. Gilmar Mendes, em seu voto e apartes, esbravejou como esbravejaríamos diante da injustiça e do triunfo do crime.

Ao Min. Celso a imprensa e a intelectualidade brasileiras seguiram seu caminho óbvio: atribuíram o papel de Capitu.  Como Bento Santiago, os brasileiros não sabem o que se passa pela mente do Ministro.  O que realmente importa no livro de Machado de Assis é que,  se Bentinho houvesse realmente sido traído, a culpa seria mais sua que dos traidores e, mesmo não sendo traído, sua paranoia o faria meritório de ser e por isso a si mesmo castigou com o rancor e a solidão.  Da mesma forma, se alguém se sentir traído pelo STF na decisão de quarta-feira, é bom começar uma auto-análise profunda, pois a culpa não será da Justiça, do STF ou do Decano, mas sim dos  próprios traídos.  Pelo menos é o que vai constar do acórdão.

Eder Giovani Savio / Foto: Agência Brasil

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