Olhares trocados -Uma história contada em poucos capítulos

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Por dias, quando me perdia nos pensamentos ao som de meu velho companheiro Zé Ramalho, que declamava em meus ouvidos sua poesia cantada, viajava para longe, e confesso que às vezes ia para tão longe que nem eu mesmo mais sabia ao certo onde estava. O trajeto que era sempre o mesmo, fazia com que aquele caminho se torna-se monótono para mim, afinal, todos os dias passava pelas mesmas ruas, na mesma hora, visualizando as mesmas casas e as mesmas pessoas. E por vezes até os carros pareciam serem os mesmos.

Confesso a vocês que por vezes penso ser um tanto chato, pois a rotina é algo que me deixa bem entediado, e aquele trajeto de casa para faculdade todos os dias faziam com que cada vez mais meus pensamentos delirassem em meio aquele ônibus amarelo, que nos levara todos os dias. A cidade onde moro que não é tão grande assim permite com que todos se conheçam, portanto pode-se dizer que de certa forma até caminhamos juntos, mesmo em meio à solidão dos celulares e aparelhos digitais.

Tudo corria normal, como num dia qualquer. Ia para a faculdade, onde teria mais um dia de aula, que para lhes ser sincero, não estava tão animado assim, uma vez que o assunto não me encantava muito e a professora por sua vez era um tanto monótona. Minha boca estava seca, clamando apenas por uma cerveja, que possivelmente compraria num boteco qualquer antes de ir para aula. Pensava que poderia acabar me atrasando, uma vez que algo me falava que desta primeira cerveja, possivelmente acabaria em outras mais, após encontrar alguns amigos de faculdade no bar em plena 19 horas de uma terça feira à noite.

Pensava também na desculpa que depois levaria até minha professora, para dizer a ela uma história qualquer sobre o porquê de não ter ido à aula, enquanto culpava-me por ser o aluno que deixa de ir para aula, para ficar no bar bebendo, rabiscando e devaneando com meus pensamentos. Ou simplesmente jogando conversa fora com alguns conhecidos.

Perdoem-me pessoal, como citei anteriormente, este trajeto me faz perder em pensamentos de tal forma que esqueci até mesmo de me apresentar. Sou Pedro, moro numa cidade um tanto pequena no interior. Não muito longe da cidade. Tenho 22 ou 23 anos. Para lhes ser sincero até já me esqueci, e como acho desnecessário agora verificar isso em minha identidade, tirem suas próprias conclusões. Estou no final da faculdade de filosofia, na qual busco apenas um objetivo em especial, que é tornar-me professor. Porém é meio irônico de minha parte, querer ser professor, deixando de ir para aula para beber algumas cervejas no bar. Mas enfim, isto também é desnecessário agora. Portanto usem de seus preceitos e julgamentos morais e julguem-me a vontade.

Alguns podem me perguntar o porquê de ser professor, uma vez que isto é tão desvalorizado nos dias atuais. Ai eu lhes respondo, que para mim não existe nada mais excitante que o conhecimento. Não há nada melhor que, perder-se numa boa leitura. E quando falo em boa leitura, não se enganem, pois não falo nestes romances atuais. Falo em clássicos de nossa literatura, de nossa filosofia, de nossa história. Pensem naqueles livros velhos, desgastados, com cheiro de mofo e com as páginas corroídas pelo tempo. Gente, fico empolgado apenas de pensar! Mas enfim, mais uma vez meus pensamentos levaram-me para algo tão distante, que nem eu mesmo não sabia mais onde estava.

Voltando para o ônibus, tudo corria normalmente, como outro dia qualquer, até o momento em que o motorista fez a última parada. Não sei por que, mas neste dia quando o ônibus parou e abriu a porta para as pessoas subirem, estava atento aos que no ônibus embarcaram. E para minha surpresa algo diferente aconteceu. Uma garota que nunca havia visto antes subia, e vinha em minha direção. Era praticamente obvio, que ela vinha em minha direção, afinal o banco onde estava sentado era um dos únicos que ainda estavam vagos. Porem estava diferente. Aquela bela jovem, que aparentava, não ter mais de 20 anos, com uma pele clara, tão clara que me fez suspirar, tinha algo diferente.

Para minha surpresa, não demorou muito para ela sentar-se ao meu lado, o que particularmente não sabia se era bom ou ruim. Bom pelo fato de ela ter despertado em mim tanta curiosidade, (Coisa que muito poucas garotas conseguem) e ruim pelo fato de que era clara a sua vergonha. A pele de seu rosto que era clara enrubesceu por inteiro quando meu olhar cruzou com o dela. Acredito ter enrubescido também, afinal nem ao menos a voz para lhe cumprimentar saiu de minha garganta. De início achei engraçado perceber seu constrangimento. Comecei a viajar em meus pensamentos, imaginando o porquê de sua vergonha. Porém não demorou muito para graça dar lugar a incerteza, afinal, percebi também estar envergonhado. Imagino agora, o quanto minha cara de bobão devia tê-la assustado, porem como não havia mais bancos vagos, possivelmente ela não teria outra opção, senão ficar ai ao meu lado, até o fim da viajem.

De tempos em tempos olhava para ela, e via aquele rosto angelical, que até agora não consegui apagar de minha mente, porem a vergonha dela, que agora era nítida a limitava em manter seu olhar fixo para frente do ônibus. Como particularmente, também estava sofrendo pela vergonha me acometer, na incerteza, mantive-me fixo, buscando apenas algumas leves investidas de olhares.

E assim, foi quase todo trajeto, pensando em quão linda era aquela garota que ao meu lado estava, pensando como seria o nome dela afinal. A curiosidade era tamanha que ficava a imaginar hipóteses ou formas de iniciar uma conversa com ela. Pensei em lhe pedir que horas eram, porem seria complicado pois estava com um relógio em meu pulso. Pensei também em pedir qual curso ela fazia, afinal nunca a tinha visto antes, porém sua mochila deixava claro o nome do curso a qual ela participava. Parecia que neste dia em especial, as possibilidades estavam todas contra mim. Pensei então em olhar para ela e pedir apenas qual era seu nome, porem parecia-me um tanto estranho, alguém desconhecido fazer isso.

Para minha surpresa quando paramos na primeira universidade e vários dos estudantes desceram, deixando o ônibus quase que vazio, ela permaneceu ali, ao meu lado. Poderia muito bem ter migrado para outro banco qualquer, pois vários bancos agora encontravam-se vazios. Até mesmo porque seria mais confortável, afinal estes ônibus são meio apertados para duas pessoas no mesmo banco. Mas não, ela permaneceu ali, com seu lindo rosto vermelho pela vergonha, enquanto eu neste momento, já sem vergonha alguma, buscava na mente formas de iniciar uma conversa.

Sim, sei que devem estar se debatendo, porem isto para mim, é um tanto quanto complicado. Alguém que passou sua vida em meio a livros, e nunca buscou o flerte como prioridade em sua vida não sabe ao certo o que fazer nestes momentos. Pensem! Só se aprende algo fazendo, ai sei que podem retornar a pergunta para mim, pois lhes respondo, e posso até estar agindo de má fé neste momento, porem isto é tudo muito novo para mim.

O trajeto que já chegava ao fim anunciava para mim, que minha oportunidade, de iniciar uma conversa estava terminando. E agora? O que fazer? Os pensamentos se aceleraram, cada vez mais ideias apareciam na mente, o que fez em pouco tempo tornar-se um turbilhão. Porem cada ideia que me surgia, surgia também algo que se opunha a ela.

Quando finalmente chegamos à reta final, limitei-me a olhar uma última vez a ela, que agora em vez de estar vermelha parecia na verdade estar irritada. Sei lá, talvez ela estivesse de fato esperando algo, ou simplesmente estava absorvida em alguns pensamentos qualquer. E assim, com um último olhar, e minhas várias hipóteses a vi indo embora. Agora penso, e me pergunto se novamente irei a ver.