Monótono momento de surpresa

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Não eram nem seis horas, e o tédio e a monotonia de toda aquela calmaria, tomavam conta de meu ser. Sentado naquele velho banco da parada, pensava em várias coisas. Aguardava o ônibus que por mais um dia levar-me-ia até a faculdade, onde um resquício qualquer de esperança habitava entre meu ser. A aula, que prometia ser de uma intensa discussão filosófica excitava-me de tal forma, que havia passado as últimas horas, ensaiando um discurso para poder participar assim de forma ativa desta discussão.

Sei que parece meio irônico de minha parte, afirmar que estou entediado, e excitado ao mesmo tempo. Porem entendam uma de minhas particularidades. Preciso me movimentar deixar minha mente trabalhar. Essa coisa de esperar, o que na verdade por vezes acontece, e me parece praticamente inevitável fugir disso, deixa-me numa mistura de angustia, desespero e tédio. Pensar no simples fato de desperdiçar meu tempo na fila de um banco, no transito, ou sei lá mais onde mais, já me causa repulsa.

E para tal não me acometer, investia meu tempo então me deliciando nas descrições das canalhices de um velho chamado Bokowski, o qual cada página que lia, trazia-me cada vez mais espanto, misturado pela curiosidade e novas ideias de sua escrita genial.

Tinha mais quinze minutos, onde poderia ficar absorvido em meu velho livro, o qual tinha garimpado numa loja qualquer. Estava quase frio, afinal os dias de setembro, deixavam fragmentos de um inverno, que este ano passou meio envergonhado por nós. Mais uma vez, sabia que provavelmente sentiria frio após o cair da noite. Porem negava-me a carregar casacos comigo, não porque não gostasse, mas pelo simples fato de não dar ouvidos para os avisos de minha mãe.

Sim, usem de suas morais para me chamarem de criança birrenta, pois na verdade por vezes, acredito não passar disso. Não sou do tipo de pessoa, a qual gosta de dar ouvidos a conselhos alheios, afinal se eu realmente passar frio está noite, amanhã poderei simplesmente trazer meu casaco, pois assim terei aprendido pelo próprio erro e não por ter dado ouvidos a conselhos de outras pessoas.

Não demorou muito mais, para outros alunos chegarem à parada, o que particularmente me deixou irritado, pois não paravam de falar por um minuto sequer, fazendo assim, com que minha concentração, se dissipasse para qualquer outra coisa que não meu livro. Por vezes me pergunto! O porquê disto? Parecem matracas ambulantes, que tem uma necessidade exacerbada de cantarolarem para todos sobre suas vidas, cuspindo por vezes milhares de informações desnecessárias, pelo simples fato de falarem, mas sem ao menos ter uma conexão lógica entre os assuntos abordados. E o que é pior, sem largar o celular, por nem ao menos um segundo.

Não sei, afinal, se sou chato demais, porem ficaria chateado se alguém que estivesse conversando comigo, não largasse da mão a porcaria do celular. Confesso que apenas de olhar para situação, já sinto meu coração acelerar pela raiva que surge dentro de mim, e por vezes tento me segurar para não falar uma bobagem qualquer. Seria mesmo muito idiota perder a chance de desfrutar de uma companhia para perder o tempo no celular com outro qualquer. Mas cada qual com suas preferências.

Decidi me afastar um pouco daquela cena, afinal não queria desperdiçar meus minutos finais naquela parada, deliciando-me com aquela cena patética. Busquei novamente me concentrar em meu livro, o que confesso ter sido um tanto difícil, afinal o barulho fazia-se apenas aumentar, como o número de estudantes que não paravam de chegar. Não sei ao certo o porquê, mas ao meu lado, normalmente sempre tinha um lugar vago. Eram poucos os que se aventuravam em sentar-se junto a mim. Talvez seja pela minha arrogância, ou simplesmente por não ser muito sociável.

Como as tentativas de voltar para leitura foram frustradas pelo barulho, e já estava tão longe que nem eu já sabia mais onde estava, decidi apenas continuar ali, viajando entre meus pensamentos. E para minha surpresa, viajava pela lembrança daquele belo rosto que havia visto no ônibus no dia anterior. Lembrava muito bem das curvas de seu rosto. Do vermelho de suas bochechas, que denunciavam sua vergonha, e do castanho maravilhoso de seus olhos.

Pensava como deveria ser o som de sua voz, como deveria ser o nome daquela bela jovem, que agora tomava conta de meus pensamentos. Confesso a vocês, que dentro de mim, restava ainda uma breve esperança de poder lhe ver novamente. Quem sabe a encontraria qualquer dia desses em algum lugar qualquer, como um acaso, ou então poderia cruzar com ela novamente no ônibus. Apenas de pensar, minhas pernas já tremiam. Meu coração parecia querer pela boca escapar, enquanto um calor tomava conta de mim.

Várias perguntas passavam pela minha mente. Junto das lembranças de seu rosto que me fez por vezes suspirar. Mas o que mais me espantava era não saber o que fazer, se isto viesse a acontecer.

Olhei no relógio, e percebi que havia mais dez minutos. Foi ai que me dei conta do quão cedo tinha chegado hoje à parada. Estava completamente abstraído em meus pensamentos, enquanto fingia ainda estar lendo algo em meu livro, apenas como forma de espantar os curiosos, que poderiam vir tentar uma conversa, coisa está que sinceramente, não tinha vontade alguma de fazer.

Foi então que percebi algo diferente. Um perfume que me remetia a uma tranquilidade que nunca havia experimentado antes. Estava numa espécie de transe, sentindo aquele perfume levemente adocicado, e que denunciava uma delicadeza tamanha, que me fez suspirar como um apaixonado. Sem dúvidas, neste momento fui roubado de meus pensamentos, pois seria quase impossível não viajar sentindo um aroma tão delicado. Como nunca fui tão curioso, decidi apenas viver este momento. Então me limitei a ficar ali, deliciando tal perfume sem nem olhar a quem ele pertencia.


Não sei como, mas quando percebi, já estava dentro do ônibus a caminho da faculdade. E para lhes ser sincero, neste momento o medo havia tomado conta de mim, afinal, já estava a meio caminho da faculdade, sem nem ao menos saber o como tinha entrado naquele ônibus.

Conferi ao meu redor para ter certeza de que estava realmente no ônibus correto, afinal, tinha viajado para tão longe, a ponto de nem ao menos perceber o movimento que realizei de entrar no ônibus e sentar-me no mesmo lugar, como de costume fazia. Era meio que uma espécie de ritual. Todos os dias poderia ser encontrado no mesmo local, na mesma hora. Acredito que os demais até mesmo já estavam acostumados pela monotonia de meus rituais, afinal ninguém até o momento atreveu-se a sentar em meu lugar.

Talvez a música que gritava aos meus ouvidos tivesse promovido tal viajem. Por vezes saia da poesia cantada pelo meu caro colega Zé, para um bom rock, em momentos em que o tédio torna-se tamanho, que era praticamente inevitável de lidar com ele. Mas o que mais me intrigava era aquele perfume que me mantinha até o momento naquela espécie de transe que não tinha explicação alguma para mim. Aquele rosto que passeava pelas minhas lembranças fazia esboçar-se um sorriso bobo em meus lábios. E com certeza isso me deixava com muito, mas muito medo, pois a muito tempo alguém não roubada um sorriso como esse de mim.

Isso me espantava de tal forma, que buscava ao máximo me esquivar de tais lembranças, porem para meu azar, até a própria música, que agora era uma espécie de pop romântico, contribuíam para as lembranças ficarem cada vez mais vivas dentro de mim. E aquele perfume, que continuava em minhas narinas, como se a dona dele estivesse ainda ao meu lado, começou a me transportar para uma espécie de loucura. Os pensamentos aceleravam-se a tal ponto, de não conseguir mais raciocinar direito.

Percebi então uma convincente explicação para tudo isso, aproximar-se de mim. Agora já não mais com medo, mas sim espantado, me revirei no banco incrédulo do que meus olhos diziam ver. Vindo em minha direção, passando com um pouco de dificuldades entre aquele corredor estreito, percebi as imagens de meus pensamentos se remontarem. E o perfume que a cada passo tornava-se mais nítido e intenso, fez um sentimento de harmonia e tranquilidade tomar conta de meu ser. Sem dúvida alguma, estava entregue aquela visão. Parecia como se fosse uma miragem. Fui obrigado a esfregar meus olhos para saber se realmente era real. E para minha surpresa, por mais uma vez ela sentou-se ao meu lado.

Não demorou muito para que uma mistura de sentimentos tomar conta de mim. E a minha cara de espanto, misturada à incerteza e alguns questionamentos transpareciam perfeitamente a insegurança daquele momento. Como não sabia ao certo o que fazer afinal ela apenas escolheu por mais uma vez sentar-se ao meu lado, fiquei ali, literalmente como um bobão, olhando fixamente para frente do ônibus.

Como não a percebi antes? – perguntava-me. Desde aquela parada estava junto dela, e ela agora veio para meu lado mais uma vez. Mesmo com todos os bancos vazios que existiam dentro daquele ônibus. O livro que ainda estava em minhas mãos, caiu então denunciando minha total surpresa. Ainda atônito pela situação, e sem saber ao certo o que fazer, limitei-me a dar um breve olhar, que mais uma vez arrancou-me um suspiro tão profundo, que senti o peito palpitar.

Como quem quisesse de certa forma iniciar uma conversa, ela abaixou-se de forma muito tranquila, pegou o livro e começou a folheá-lo como quem esperasse por alguma atitude minha. Fiquei maravilhado ao ver seus longos cabelos loiros que realçavam a beleza de sua pele clara dançar sobre as curvas de seu corpo.

Posso dizer que agora não sabia ao certo como reagir. Normalmente em situações como essas, a raiva tomava conta de meu ser, afinal, o que mais odiava era perceber mãos alheias em meus livros. Porem com ela tudo parecia estar diferente. Confesso que até tentei alimentar este sentimento, porém não foi possível. O porquê de não conseguir, também não sei. Apenas me limitei em ficar olhando para ela, como quem esperasse pelo livro ser devolvido. Fiquei ali por uns cinco minutos esperando, porem para meu espanto, nada aconteceu. Ela continuou apenas com um molhar fixo para frente, com um sobrolho que denunciava certa inquietação ou raiva. Não soube ai certo definir.

Percebendo que o percurso novamente chegava ao final, comecei a me preocupar, afinal ela estava com meu livro, e nem ao menos parecia ter intenção de devolver. Pensar que ela levaria um de meus Bukowskis, fizeram-me sentir levemente uma inquietação penetrar-me o peito. Porém o que mais me inquietava, era não saber ao certo o porquê deste comportamento, e o porquê de estar tão fascinado assim por ela.

Não demorou muito para chegar a última curva. Os prédios da faculdade já podiam ser vistos, quando ela abriu sua bolsa, tirou um papel dobrado e o entregou a mim. Surpreso e com um pouco de medo, peguei aquele que parecia um cartão, e já com o ônibus parado, a vi levantar e ir embora com meu livro em suas mãos. Poderia ter intervido, gritado, sei lá, ter feito qualquer coisa para tentar recuperar meu livro, porem algo dizia-me que não. Que deveria deixa-la partir. E assim o fiz.