Marcos Alexandre Margotti Izé: Lembranças que não cabem no armário

Percebi que provavelmente não queria mais aquilo, quando estava já sentado no ônibus. Eram mais ou menos seis horas da tarde, mas quem importa-se com horário quando se tem um bom livro as mãos. A viagem que prometia ser longa de inicio não amedrontava-me mais. Pensava apenas na nova vida que teria a partir de hoje. Lembrava do sorriso, que faceiro enfeitava aquela bela face. Lembrava-me das palavras, do carinho, das caricias que trocamos por vezes em meu quarto. E hoje, o que restou? Apenas uma maldita lembrança.

Meu apartamento que não era muito grande, e que o calor do verão, deixava parecido com uma sauna, cativava nossos hormônios. Parecíamos crianças descobrindo o doce sabor de brincar. Porem não sabíamos, pelo menos eu não, que brincadeira de gente grande, por vezes é sem ingenuidade.

Não tinha mais de 23 anos, era jovem e havia me entregado a um primeiro amor. Os anos que dediquei à filosofia haviam de certa forma me distanciado de algumas coisas na vida. Uma delas era o amor.

Percebia por vezes, meus amigos brincando, flertando enquanto fomentava meu sonho de estar na universidade. Achava-os babacas, e confesso que hoje ainda os acho. Porem algumas particularidades daquelas conversas intrigavam-me às vezes. Tinha dias que me abstraia, claro que de forma discreta em conversas alheias, que me faziam rir durante a noite, quando as lembranças vinham a mente. Sabia qual era o objetivo final daquilo tudo, afinal não demorava muitos dias para eles, de forma cretina, contar a toda a escola, o que haviam feito na noite anterior.

O ônibus chacoalhou de forma violenta após passar por um buraco na estrada. Dei-me conta que já estava longe. Olhei no relógio, e já haviam se passado mais de uma hora da partida. O livro que estava em minhas mãos, já não despertava-me muito interesse. O que me fez ficar ali, contemplando a paisagem que passava acelerada pelo vidro.

Mais uma vez lembrava-me de seu sorriso. Lembrava também do quanto ele me fez suspirar. Foram dois meses apenas. Dois meses que me levaram para lugares que nunca antes havia estado. Para aventuras que nunca antes havia experimentado. Mas hoje, perguntava-me o quanto isso teria valido a pena.

Confesso que isso seria má-fé minha neste momento. Afinal escolhi me experimentar em meio a um flerte. Sei lá eu se foi por carência, ou apenas necessidade, mas a escolha foi minha. O que não pensei foi nas consequências. Uma vez que para alguém que acredita em romances de filme, a realidade poderia ser muito brutal.

Ei garoto, vais para onde?  – perguntou-me o senhor a meu lado.

Ei garoto, estou perguntando para onde vai! – afirmou novamente o senhor.

Olhei para ele demonstrando certo incomodo. Afinal não interessava em nada ele saber para onde eu iria. Aparentava ter mais ou menos sessenta anos. Nunca o tinha visto antes, por isso mesmo limitei-me em olha-lo e não responder.

Sua mãe não lhe ensinou modos moleque? Perguntei para onde você vai – disse-me ele mais uma vez.

Quem sabe para o inferno! – Respondi.

Foi o suficiente para ninguém mais incomodar-me pelo resto da viagem. De tempos em tempos percebia olhares desconfiados das pessoas ao meu redor, pois acho que eles não haviam gostado muito do que havia dito, porem danem-se todos.

Fiz uma retrospectiva de minha vida e percebi que realmente está havia sido uma das únicas vezes que, tinha me aventurado nas ondas de um romance, se é que posso chamar isso de romance. Ouve outras duas tentativas, mas definitivamente aquilo não merecia ser chamado de romance.

Pensei o quanto a falta de experiência não poderia ter contribuído com isso, porem cheguei à conclusão que não. Pois havia sido romântico. Havia feitos coisas que por vezes ouço as mulheres falarem que gostam. Apenas não havia dado certo. Quem sabe as horas que gastava em meus livros não a deixavam satisfeita. Quem sabe ela queria algo a mais.

Confesso que pensar nisso com aquele ônibus sacolejando de tal forma me deixava nauseado. Faltavam ainda uns 15 kilometros para chegar até meu destino, que era uma faculdade do interior, onde havia passado para um curso de pós-graduação.

Lembrava perfeitamente do dia, que havia de fato tomado uma decisão. Iria pedi-la em namoro, afinal estava terminando minha faculdade de filosofia, e logo estaria embarcando para iniciar minha pós graduação. Lembro que me preparei uns três dias antes. Pensei no que ia lhe dizer, no que iria vestir. Fiz umas poesias, porem confesso que nada me agradou, então acabei por joga-las fora. O grande dia chegou.

Vestia uma camisa azul clara, que guardará apenas para ocasiões especiais, com uma calça jeans já um tanto desbotada e um sapato escuro. Havia comprado uma aliança, afinal gostaria de formalizar nosso namoro. Não demorou para o ônibus chegar. Iria encontra-la na saída de seu trabalho. No caminho a ansiedade mostrava-se presente. Meu coração parecia querer fugir pela boca, enquanto ensaiava o que ia falar para ela.

Lembrava perfeitamente de como ela falava de seu sonho de ser pedida em namoro por alguém. E eu, iria realizar aquele sonho.

Já perto de encontra-la, a ansiedade aumentava. Já podia imaginar seu rosto no momento em que entregasse a aliança para ela. Porem percebi algo estranho. Chegando mais perto de onde normalmente ela ficava vi que algo de errado estava acontecendo. Um carro diferente. Quando finalmente cheguei e pude entender o que aquele carro fazia ali, então percebi…

O ônibus finalmente parou. Percebi que mais uma hora havia se passado. Finalmente havia chegado. Quando desci, vi aquela rodoviária, que era pequena e denunciava sua falta de manutenção. O cheiro de mofo daquelas paredes desbotadas fez a náusea retornar. De onde estava na rodoviária era possível ver a faculdade. Naquele momento, a náusea deu lugar à esperança de um recomeço.