Marcos Alexandre Margotti Izé: Andando sobre o mundo

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“Parecia que ia morrer bebendo aquele ultimo gole que havia em minha garrafa. Um dia ainda morro com essas porcarias que bebo na rua” – dizia a ultima frase do livro que tinha as mãos.

Não estava muito diferente. Pensava também que em breve acabaria morrendo, afinal além do livro, olhava para aquele uísque barato que ao meu lado jazia como um corpo abstraído na sua própria morte. Pensava nos dez reais que havia pago naquela garrafa, e agora estava ali, vazia ao chão, e com meu fígado um pouco mais comprometido. Dane-se pensei. O que é afinal essa porcaria onde vivemos?

Por trás das lentes sujas de meus óculos visualizava as pessoas, que passavam de um lado para o outro, e o que mais intrigava-me era saber que elas fingiam não me ver. Mas por quê? Pensava o quanto hipócrita que não seriam elas. Deveriam estufarem o peito na sala de aula de uma faculdade qualquer, promovendo todo um belo discurso sobre o quanto devemos ser conscientes, e dir-se-iam contra as desigualdades. Mas vejam que ironia. Os mesmos, que são responsáveis pelos discursos inflamados, são aqueles que passam na rua e repudiam um bêbado qualquer.

Meu estomago que a essa hora chorava pela fome, fez-me sentir ainda mais o efeito do álcool que já havia se dissipado e estava percorrendo meu sangue como um parasita que toma controle total da situação. Tinha vontade de dançar e gritar em meio à rua, porem meu papelão estava confortável demais para dar-me ao trabalho de levantar e dançar pelo simples fato de estar bêbado. Alem do mais, não valeria o risco de acabar apanhando dos guardas da praça que não tiravam os olhos de mim.

Olhava as pessoas passarem e não podia me conter. Deixava o riso escorregar pelo rosto, e em altas gargalhadas, torcia-me sobre o papelão. Ao meu redor, viam-se apenas as pessoas afastando-se provavelmente pensando que estava em meio a algum surto de esquizofrenia. Confesso a vocês que me divertia muito com isso. E por vezes promovia essa risada medonha mesmo sem vontade, apenas para velos me repudiar.

Havia terminado meu livro, e agora pensava que tinha de encontrar outro para ler. O que não seria tão difícil, afinal o parceiro da livraria do final da avenida, uma daquelas que vendem livros usados, permitia-me entrar e trocar livros sem custo algum. Ele talvez fosse o único que conhecia meu real nome. O nome que tenho em minha carteira de identidade. Quer dizer, o que acredito ter, afinal neste ponto de minha vida, já até esqueci como é uma carteira de identidade.

  • Darwin, como será quanto morrer? Ou sofrer algum acidente e precisar de um hospital? Pensei comigo mesmo.

Fiquei alguns segundos parado a frente de uma lanchonete com uma cara de duvida. Não demorou muito para um grandalhão aparecer na porta, fitando-me com uma cara ameaçadora. O olhei e tentei esboçar um olhar amedrontador, mas decidi então sair, afinal não seria legal apanhar em plena às nove horas da manhã de uma sexta feira.

Também tinha o calor. Para quem mora na rua, não é boa ideia apanhar e se machucar no verão, pois se pode contrair uma infecção mais rapidamente. E morrer, era também algo que não queria no momento. Mas dane-se, vou para livraria!

Hoje o dia estava bonito, quente, mas bonito. Tinha varias meninas bonitas andando pela praça. Mas isso também não me interessava. Preferia me divertir com meu uísque. Ele ao menos leva apenas meu fígado e não o pouco que tenho. Uma vez encontrei uma mulher que pensei ser o amor de minha vida. Porem no outro dia, quando acordei, nem ao menos as caixas de papelão não haviam restado. Daquele dia em diante, preferi então ficar sozinho.

Deixei um sorriso mostrar meus dentes amarelos, quando vi a placa da livraria aproximar-se de mim. Estava empolgado, pois queria divertir-me um pouco mais nas paginas de um outro livro. Estava nisso já tinha mais de vinte anos. Sorte a minha que em cada cidade que passava sempre encontrava um dono de livraria camarada, que me permitia frequenta-la para trocar meus livros.

O que não tinha em experiência de sala de aula, tinha em paginas lidas. Dava um banho em muitos dos moleques que estão na faculdade, fingindo estudarem. Lembro bem de um mauricinho que encontrei já a alguns anos atrás, mais lá para o oeste. Fazia agronomia e dizia-se autodidata. Eu estava em um bar e já tinha entornado mais de oito copos de chope. Para lhes ser sincero, parei de contar no quinto copo, então acredito que já se passavam de oito, afinal já estava bêbado o suficiente para acreditar ser um executivo bacana. O mais legal foi o dono do bar aceitar-me lá. Normalmente sou chutado antes mesmo de mostrar que tenho o dinheiro para pagar o que irei consumir.

Ainda hoje deixo o sorriso sair quando me lembro daquele mauricinho metido a inteligente. Certo, confesso que depois de discutir com ele, fui chutado do bar. Mas tudo bem! Entendo que ele daria mais lucro para eles do que eu.

Garimpando as prateleiras da livraria, estava um pouco frustrado, pois já fazia uns dois anos e meio que estava ai e já havia lido quase tudo daquela livraria. O dono era um cara bacana, mas como todo mundo tinha seus defeitos. O dele era de não atualizar as prateleiras de sua livraria. Acredito que ele deveria ser algum tipo de traficante, e mantinha aquela loja apenas como fachada.

Fiquei ali umas duas horas procurando por um livro que ainda não havia lido. Percebi que perdi meu tempo, afinal não havia muitos títulos lá, e cheguei à conclusão de que já havia lidos todos.

Passei pelo dono da livraria logo na saída. Disse-o que não havia encontrado nada de novo, e que estava na hora de partir.

  • Como assim partir – perguntou-me ele.

Com meu livro embaixo do braço, olhei apenas com o canto do olho para ele dizendo adeus.

Com certeza era hora de partir, pensei eu. Passei na padaria, e com os poucos trocados que tinha no bolso comprei uns três sanduiches para viajem.

Marcos Alexandre Margotti Izé – 30/11/2015