Luto prolongado pode ser uma doença: saiba identificar os sinais

Entidade norte-americana atualizou manual de diagnóstico dos transtornos mentais; formalização ajuda os médicos a definirem o melhor tratamento

Após 10 anos de estudos, o luto prolongado passou a ser considerado um transtorno psiquiátrico na nova versão do manual de diagnósticos de transtornos mentais (DSM-5) da Associação Americana de Psiquiatria (APA) e na CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), publicada no mês de março. O DSM é considerado a principal referência da Psiquiatria e usado no mundo todo, assim como a CID.

De acordo com o psiquiatra Elton Yoji Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, o luto patológico já aparecia na última versão do DSM, publicada em 2012, mas ainda em um processo de pesquisa e sem poder ser utilizado na prática médica. A partir de agora, com a nova classificação, o luto patológico passa a ser oficialmente considerado um transtorno mental e suscetível a tratamento.

“Quando falamos em inclusão de novas doenças mentais no DSM, a construção de critérios para diagnóstico não é imediata. Não há um consenso tão rápido, mas há sempre grupos de especialistas avaliando. O luto patológico era algo falado há muito tempo e agora temos critérios específicos para chegarmos a um diagnóstico assertivo”, afirma o especialista.

Kanomata cita o exemplo da síndrome de Burnout – transtorno mental associado ao excesso de trabalho, que embora seja mais discutida atualmente, ainda não tem critérios diagnósticos bem estabelecidos. “A síndrome de Burnout está nesse processo de definição de critérios que o luto patológico já passou.”

Estima-se, segundo o especialista, uma prevalência em torno de 2,5% de casos de pessoas que vão desenvolver essa versão do luto. “É um número significativo e próximo de outros transtornos mentais. A prevalência da esquizofrenia, por exemplo, é em torno de 0,5%”, afirma o médico.

O que é e como identificar?

Segundo Kanomata, o DSM estabeleceu 12 critérios para o diagnóstico e é preciso que o enlutado se enquadre em ao menos seis deles para ter a confirmação, além de manifestar os sintomas por mais de um ano. Entre os itens a serem avaliados estão: saudade persistente; pesar e a dor emocional intensa; preocupação constante com o falecido e com a circunstância da morte.

Mas o que define um luto prolongado, já que a maioria das pessoas passa por momentos difíceis após a morte de algum familiar ou amigo? “O luto é um tipo de emoção que todas as pessoas vão sentir em algum momento da vida, como tristeza, desânimo e choro. O que separa o ‘luto normal’ do patológico são os prejuízos e o sofrimento que ele vai causar na vida daquela pessoa”, explica o especialista.

Uma das principais dúvidas para determinar o diagnóstico, explica Kanomata, é o tempo de duração, mas o psiquiatra ressalta que não existe uma resposta para isso. “Tem pessoas que passam pela perda de alguém com mais tranquilidade; outras passam por um processo mais longo de aceitação. Não existe uma régua de tempo que determine o tempo de duração do luto”, completa.

Interferência na qualidade de vida

Antes da definição do luto patológico, o paciente poderia receber o diagnóstico de depressão, transtorno de ansiedade ou reação aguda ao estresse. Apesar de a depressão ser um dos sintomas do luto, não é o único e a nova definição busca diferenciar as duas condições para que não sejam tratadas da mesma forma. “O diagnóstico da depressão é muito clássico e antigo. Mas um enlutado pode ter os dois transtornos ao mesmo tempo, ou ter apenas o luto patológico, sem a depressão. Um diagnóstico não exclui o outro”, ressalta.

Para Kanomata, com a formalização do transtorno no DSM e na CID-11, os médicos podem definir o melhor tratamento – seja ele farmacológico ou não – e serem mais assertivos, com maiores chance de sucesso. “Isso também ajuda na realização de pesquisas clínicas específicas. Talvez, daqui a alguns anos, a gente consiga saber qual a melhor medicação para esses casos e até mesmo chegar a uma possível prevenção do quadro, identificando formas de diminuir o risco de a pessoa desenvolver o transtorno”, completa.

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein