4. A incógnita continua

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Não eram nem oito horas ainda, e aquela aula monótona deixava-me com muita sede. Sentado a carteira olhava para meus pés, e ria da situação. Meias e chinelos – pensava eu. Quanto tempo fazia que não saia de casa assim! Era ainda moleque quando permitia-me sair de tal forma. Com certeza estava estranho. E por vezes sentia-me enrubescer com o olhar de meus colegas, porem sentia também cada vez mais a sede aumentar.

Decidi então ir ao bar, onde pedi ao garçom algo qualquer, que me deixasse bêbado suficiente para poder retornar a aula. Não demorou muito para que ele trouxesse uma dose generosa de uísque que custaram-me os últimos trocados que tinha nos bolsos.

Acendi um cigarro. Aquele era o único bar da faculdade que permitia os frequentadores fumarem dentro do ambiente. Confesso que por vezes isso tornara-se incômodo, porem como hoje também contribuía para toda aquela fumaça que deixava o local quase todo contaminado, não liguei muito.

Saquei do bolso o bilhete que a está altura estava todo amassado, e me pus a ler. Quando o abri, uma surpresa. Deparei-me com uma bela letra escrita por uma caneta azul, destas esferográficas. Confesso que deixei um sorriso cair sobre meus lábios, afinal era apaixonado por bilhetes escritos à mão. E pensar que aquela bela moça, a qual não sabia o nome havia reservado um tempo de seu dia para escrever isto para mim, deixava-me feliz.

Um número, e nada mais!

Como uma pétala que surge de um cais!

E agora?

Escolha você!

Afinal, és livre para saber,

Seu destino escolher!

Outra poesia! Outro mistério! Mas afinal, o que seria isso? Parei por um minuto e deixei o copo que estava à mão descansar sobre a mesa, enquanto o cigarro queimava em minha boca. Buscava na memória, recordar de seu belo rosto, e pensar nela escrevendo estas belas frases somente para mim. Agora, meu velho Bukowski, já quase não mais me interessava, mas sim, queria saber, e poder descobrir o porquê disto tudo.

Dois poemas era o que eu tinha. Um escrito no Word e outro num papel amassado, e provavelmente escrito às pressas, pois afinal seu corte não era dos melhores. Busquei nos bolsos de meu casado o bilhete que continha o primeiro poema. Encontrei e coloquei ao lado do segundo. Parecia desconexo. Porem havia algo nele que chamava muito minha atenção.

  • Mulheres diferentes hem safado – disse-me o garçom que estava passando por mim.
  • Vá pro inferno filho da mãe! Cuide de sua vida – disse a ele num tom agressivo.

Todos ao redor me olharam neste momento. Senti que poderia estar correndo algum risco depois disso, porém pensava também que aquele filho da mãe poderia ser mais discreto, afinal de nada interessava a ele saber de minha vida. Por alguns instantes, fiquei tomado pela raiva daquele garçom abusado que agora encostado ao balcão, olhava-me de forma a me deixar incomodado.

Não teve mais do que mereceu – pensei. Intrusos e curiosos não são bem vindos. De mais a mais depois converso com o dono do bar e peço para que ele selecione melhor seus funcionários.

Peguei o copo que continha um último gole de uísque, enquanto acendia um outro cigarro. Quando o trouxe até a boca, um pouco desajeitado, o deixei cair sobre a mesa, espalhando assim o liquido pelo bilhete que ainda estava sobre a mesa.

Droga – pensei eu.

Esbravejando, tirei os bilhetes o mais rápido possível da mesa. Porem acreditava ser tarde, afinal ele já estava todo molhado pelo uísque, e possivelmente, não haveria forma de recupera-lo. Peguei alguns guardanapos, mas antes mesmo de tenta-los secar, recuei pensando que isto poderia agravar o estrago. Decidi então deixar ele ali, encima da mesa todo ensopado, e a está altura com as letras já todas borradas.

Droga – pensei novamente. Agora nem mais o bilhete não tenho para tentar decifrar o que ela queria me dizer.

Decidi deixa-lo ali, enquanto terminava meu cigarro. Pensei se seria legal voltar à sala depois de trinta minutos sendo defumado neste fogão de cigarros. Decidi que o melhor a fazer era voltar para casa andando. Mesmo sendo longe, já fazia algum tempo que queria pensar um pouco sobre a vida.

Peguei o bilhete que estava seco sobre a mesa e guardei no bolso de meu casaco. Pensei em deixar o outro ai. Porem antes de sair, decidi o levar. Algo nele chamava muito minha atenção, mas nesse momento não parei para prestar muita atenção nele.

Eram mais ou menos nove horas, e caminharia provavelmente até as onze se tudo corresse bem. Acredito que poderia atrasar-me um pouco, afinal o uísque deixou-me um tanto bêbado. Nas ruas, nada de novidade, e enquanto outro cigarro queimava em minha boca, pensava naquela garota que deixava-me num estado tal, que parecia-me sucumbir a cada passo.

Seu rosto me veio à mente, e junto dele a recordação dos bilhetes, que ainda não entendia ao certo o que queriam dizer. Pensei então em esquecer-me de tudo aquilo, mesmo existindo algo que me dizia que não. Foi então que decidi joga-los fora. Procurei a lixeira mais próxima e assim o fiz.

Quando cheguei, e tirei os bilhetes de meu bolso, dei uma última olhada neles, e lancei contra a lixeira que estava a minha frente. Porem algo chamou-me a atenção. Vendo pela última vez aquelas letras manchadas pelo uísque, um estalo do resto de consciência que ainda existia em mim, disse-me uma coisa. Voltei, como num impulso, procurei o bilhete, e assim que o encontrei pus-me a ler novamente.

Como não percebi antes – disse a mim mesmo. Agora tudo se explica.

Aqueles números em meio a poesia. Agora descobri, o que chamava tanto minha atenção. Eram os números, que visto de outra forma fazia-se um número de telefone.

Dava pulos de alegria no meio da rua pela felicidade que me acometeu naquele momento. Busquei o mais rápido possível meu telefone, ai descobri, que provavelmente ele deveria estar em casa, junto de minha mochila. Por um momento a felicidade deu lugar, a raiva que tomou conta de mim. Senti meus músculos enrijecerem e os dentes rangerem!

Quanto tempo perdido – esbravejei em meio à rua. E como num vulto de loucura, chutei a lixeira que não saio do lugar.

Agora estava explicado. O primeiro bilhete. O número de telefone. O segundo bilhete. Um complementava o outro.

Como pude não perceber antes – dizia-me enquanto caminhava pela rua.

Nove noites, dormi sem saber,

Nove chances de requerer,

Seis modos de te pedir,

Ou apenas seis outros momentos esperar,

Uma palavra de sua boca sair,

Ou por mais cinco dias, o silêncio reinar,

E mais duas tentativas esperar,

Para enfim, um livro lhe roubar!

Agora estava claro. Mas perguntava-me se deveria realmente ligar para ela, uma vez que tinha decidido minutos atrás esquecer tudo. Estava realmente assustado por tudo isso. Nos últimos dias, muito havia mudado. Perguntava-me o porquê estar dessa forma. O porquê de não tirar aquela mulher de minha cabeça. Mas ao mesmo tempo, estava ansioso para poder chegar a minha casa e talvez ligar para ela.