Um procedimento cirúrgico já é repleto de desafios e cuidados que precisam ser realizados para que ele ocorra da forma mais segura para o paciente e para a equipe que o realiza. No entanto, o desafio pode ser ainda maior, se esta cirurgia precisar ser realizada com o paciente acordado.
Foi este o procedimento realizado com sucesso pelo médico neurocirurgião do Hospital São José, Luiz Antônio Lavradas, e um grupo de profissionais do Rio de Janeiro e também da região. A cirurgia foi realizada em uma paciente jovem, de 26 anos, que iniciou um quadro com crises convulsivas, e apresentou uma lesão intracerebral acometendo a área da fala. Devido a isso, por isso a necessidade de realizar a cirurgia com a paciente acordada, para avaliar a fala e reduzir o risco de déficit.
“Foi um grande desafio que contou com a importante participação de profissionais especializados no assunto. Além da equipe do HSJosé, contamos com um neurofisiologista, neuropsicólogo e um neurocirurgião especialista em cirurgia de epilepsia que vieram do Rio de Janeiro. A participação do anestesiologista também foi fundamental. Foi uma equipe preparada para este procedimento. Durante a cirurgia foram realizados testes de fala guiados por um neuropsicólogo e monitorizados por um neurofisiologista. Tivemos também um especialista em cirurgia de epilepsia durante o procedimento”, explica o neurocirurgião do HSJosé, dr. Luiz Antônio Lavradas.
De acordo com o especialista, o foco desta cirurgia é garantir que a paciente não tenha nenhum déficit durante o procedimento. “A área da lesão dela cometia a parte da fala e a área motora, então precisávamos ressecar o máximo da lesão que fosse possível com segurança, sem causar problemas a paciente. Isso garante tempo livre de doença e sobrevida a ela. Por isso, foi necessária toda essa monitorização intraoperatória com todos os profissionais. Foram feitos inúmeros testes durante o procedimento para verificar várias modalidades relacionadas à fala para que ela não tivesse nenhum prejuízo com relação a isso após a cirurgia”, explica dr. Lavradas.
Planejamento da cirurgia foi essencial
De acordo com o neurocirurgião especialista em cirurgia de epilepsia, dr. Gonzalo Castillo Pérez (CRM 52-101953-8 | RQE-36449), esta foi uma cirurgia bem planejada, há mais de um mês, por uma grande equipe, onde cada um fez seu papel. “Foram feitas avaliações online e também presencialmente. Falamos tudo para ela o que seria feito durante o procedimento, já que a paciente estaria acordada, ouvindo tudo o que se passava na sala cirúrgica. Isso dá mais segurança a paciente e nós, como médicos, também sentimos uma maior confiança e ficamos mais à vontade para operar as áreas eloquentes (que são as áreas do cérebro que, se tocadas, podem levar a um traumatismo permanente e sequelas irreversíveis”, explica o neurocirurgião.
Com a paciente acordada, por meio da monitorização eletrofisiológica, foi possível realizar este procedimento de uma forma segura. “Estimulamos a área da parte motora, que controla os movimentos, a área da fala e com isso íamos estimulando e tirando o tumor, até chegar em áreas bastante eloquentes, perto do tumor, e que sabíamos que não poderíamos ressecar, já que o paciente ficaria com déficit permanente”, comenta dr. Gonzalo.
“Esta é a grande vantagem de fazer uma cirurgia com o paciente acordado. Não precisamos ficar esperando o despertar do paciente para ver como a cirurgia ficou. Estamos preparados para tudo neste tipo de cirurgia. Mas lógico, a estrela do procedimento cirúrgico é o paciente. É ele quem dita o que vamos fazer, até onde podemos ir. Foi uma cirurgia de sucesso que espero que possamos continuar fazendo em Criciúma com esse preparo. Muitos hospitais fazem a cirurgia com o paciente acordado, mas a realizada aqui no HSJosé foi muito bem preparada”, complementa o profissional.
Avaliações realizadas também no pré-operatório
A cirurgia contou também com a participação do neuropsicólogo, François Jean Delaere (CRP: 05/28245). O especialista também teve um papel importante durante o procedimento realizado no HSJosé. “No pré-operatório o meu papel é avaliar a cognição (memória, atenção, raciocínio, linguagem, capacidades visuoespaciais, etc) assim como o comportamento e as emoções no intuito de determinar o risco cirúrgico cognitivo e emocional. A avaliação dos componentes comportamentais e emocionais são igualmente fundamentais para determinar a elegibilidade do paciente para procedimento acordado”, comenta François.
Já durante a cirurgia, o neuropsicólogo integra a equipe multidisciplinar que funcionará em sintonia e de forma coordenada para avaliar e monitorar o paciente ao longo do procedimento. “O objetivo é verificar a todo momento a funcionalidade do paciente permitindo trazer maior segurança a equipe de neurocirurgia.
Neste contexto, uma cartografia (mapeamento) das funções cognitivas é realizada para determinar quais áreas podem ser abordadas e ressecadas (áreas silenciosas) e quais devem ser protegidas (áreas eloquentes). O neuropsicólogo não trabalha sozinho, é parte de uma orquestra onde cada membro desempenha um papel fundamental em colaboração com os demais”, explica o profissional.
Quando se acorda o paciente durante a cirurgia, ele é capaz de se comunicar, raciocinar e responder a diversos estímulos. Desta forma, pouco a pouco, é possível identificar regiões que devem ser preservadas e fornecer maior segurança para o neurocirurgião para abordar a lesão e seu contorno sem criar futuras sequelas. “A cirurgia acordada, é fundamental, pois permite ressecção mais amplas o que é primordial quando se trata de tumor ou de regiões epilépticas. Permite diminuir risco de recidiva, maior controle de crises maior sobrevida do paciente sem que haja perda da qualidade de vida”, esclarece.
Papel importante do anestesiologista
Para o sucesso da cirurgia realizada no HSJosé, o anestesiologista também tem grande importância, uma vez que ele precisa garantir a segurança e conforto do paciente durante todo o ato operatório.
“A anestesia foi um desafio, já que essa não é uma cirurgia convencional, nem feita com tanta frequência. Esses tumores que são candidatos a essas cirurgias, geralmente são operados em grandes centros de referência, então, tanto a cirurgia e a anestesia é um desafio que conseguimos realizar aqui no HSJosé. Neste tipo de cirurgia específico, o ato anestésico é dividido em três partes que seriam com o paciente dormindo, acordado e dormindo”, explica o médico anestesiologista do HSJosé, dr. Arthur Dajori Ronchi.
“Precisamos fazer uma anestesia adequada local e também de uma anestesia geral, neste primeiro momento da cirurgia, para que possamos fazer o paciente dormir. Depois desta primeira parte, veio para mim a parte mais desafiadora, que foi despertar a paciente da anestesia geral. Nesta segunda parte foram usadas algumas medicações específicas, para que a paciente acordasse confortável, não sentisse incômodo, abrisse os olhos, obedecesse comandos e não acordasse agitada. A paciente precisava acordar lúcida, orientada, consciente e obedecendo a comandos plenamente”, explica o médico.
De acordo com o anestesiologista, ela acordou de uma forma bem tranquila, conversando, se adaptando ao meio, se localizando e começou a responder as perguntas que faziam parte do teste cognitivo dela. “Após a realização da cirurgia, foi realizada a terceira parte da cirurgia, onde a paciente foi colocada novamente para dormir para que a cirurgia fosse finalizada. Com o apoio de todos, a cirurgia foi muito bem-sucedida, tanto que a paciente teve alta da UTI em menos de 24 horas”, aponta o anestesiologista.
Por Jéssica Pereira