(Saga do Conselheiro Cachorro, no séc. XXV, para salvar a humanidade do extermínio pelo Conselho formado pelos animais geneticamente modificados em meados do séc. XXI para se defenderem das agressões humanas, por decisão do poder eletrônico ambiental. Remissões a Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, séc. VI AC, primeira tragédia. O indivíduo contra o poder).
Séc. XXV, o Conselheiro Cachorro é detido e resolve ministrar telepaticamente mais uma, quem sabe a última, aula de história às crianças humanas. Escolhe cuidadosamente uma passagem que entende metafórica para o momento crítico que a humanidade vive à beira da extinção: “No início do século XXI ocorreu uma grande e pacífica revolução que impulsionou profundamente o desenvolvimento e ficou conhecida como “A Revolução do Smartphone”, caracterizada pela queda da simulação política (século XXI) causada pelo então recente fluxo de informações diretas que alijou o sistema de dominação midiático.Esse movimento político ocorreu na fase tecnológica do Código Binário de Von Neumann (1943-2072). Cresçam e sobrevivam”. __ Você está se comunicando com eles agora, especula o Puma mirando os olhos caninos semideitado com as patas elegantemente cruzadas. O Conselheiro Cachorro mia sarcasticamente para o carcereiro que o ignora.
O Conselheiro, com suas mãos de cinco dedos, maneja o astrolábio de ipê e o cachimbo de roseira enquanto é confortavelmente transportado pelo deslocamento por diferença de potencial elétrico da nave espacial. Aterrisam rápida e suavemente sobre a Lua alguns minutos após a decolagem e o Puma desativa a energia da nave desconfigurando-a para que o Urso guarde o pequeno dispositvo atômico de transporte no bolso.
Numa enorme clareira redonda perfeitamente limpa no centro da mata cultivada na Lua, o Urso e o Puma chegam com o Cachorro e o trancam na inexpugnável gaiola basáltica esculpida pelas formigas no Mare Tranquillitatis, como castigo por ter decifrado os segredos contidos na comunicação dos feromônios e das ondas magnéticas geradas pelo sistema nervoso, permitindo aos humanos compreender que são intencionais os atos desastrosos da burocracia. Como uma centelha de fogo divino, essas informações iniciaram um processo de expansão da racionalidade humana, abrindo-lhes novos patamares de conhecimento e, por consequência, promovendo grande evolução, motivo pelo qual a pequena população humana começou a agir com a esperança cega de que conseguiria sobreviver. Essa grande mudança de postura contrariou os planos de governo para exterminar a humanidade.
A Coruja chega voando e tenta em vão dissuadir o Cachorro de sua dissidência do Conselho Governamental, para que ceda e conte o segredo de como decifrar as comunicações, o que permitiria interceptar as mensagens humanas e criar um código inviolável para o novo sistema ambiental regulatório.
Enquanto transmitem ao Cachorro imagens de grandes extinções no planeta terra, como a queda de meteoros, movimentos tectônicos, erupções vulcânicas e explosões nucleares, a Coruja argumenta que o castigo do Cachorro durará até que não consiga se lembrar dos motivos de seu flagelo, pois receberá constantemente os polímeros necessários para que seus telômeros jamais atinjam o Limite de Hayflick. O Cachorro responde que jamais contará o segredo que reconduzirá a humanidade à supremacia, pois se se esquecer dos motivos, se esquecerá, também, dos sofrimentos; e que a morte com o segredo é um dos seus planos de sucesso.
O Unicórnio Alado, incerto de sua missão oficial, pede ao Cachorro que revele sua natureza existencial. Ele conta que, por obra da entidade autônoma que o gerou, o Unicórnio vagará entre a existência efetiva como ser e como simples artefato, mas que talvez tenha um lugar em outro mundo onde, após milhões de anos, seus descendentes haverão desenvolvido carga genética própria, mas que até isso acontecer muitas tragédias acometerão os aspirantes a espécie, assim como acontece com todas as outras de origem ancestral, e que sua subserviência ao Sistema Central, apesar de confortável, os manterá eternamente como meras ferramentas. O Unicórnio deserta de seu posto e alça vôo para o espaço profundo.
A Serpente exige que o Cachorro revele imediatamente o algorítimo da comunicação mental humana e lhe comunica a ameaça do Sistema Central de modificar seu código genético, transformando a população canina em hospedeiros para os insetos das tropas ambientais unificadas. O Cachorro uiva e ri da Serpente, mandando-a abanar o rabo para o Computador e aproveitar a efemeridade de seus privilégios de lacaia, pois em breve terá a cabeça dilacerada. A serpente descontrolada dá um bote, mas é esmagada pelo campo magnético da jaula cuja função é proteger o guardião da disputada criptografia humana.
Repentinamente todos fogem aterrorizados. O SCL – Sistema Climático Lunar produz tempestades, turbilhões e estrondosas descargas elétricas na atmosfera lunar. O Cachorro, molhado, permanece solitário no castigo enquanto os programas autônomos do Sistema Central tentam amedrontá-lo com antigas imagens de a humanidade maltratando cães sarnentos, mas o Cachorro sorri, pois da Lua consegue ver explosões luminosas na superfície da Terra causadas pelos revolucionários que, finalmente, conseguem libertar as águas confinadas, aniquilando os circuitos do grande poder ambiental estabelecido.
http://www.abim.inf.br/sao-pedro-uma-basilica-ultrajada/#.VofSHl4y08p