Com a comunidade 48 horas antes

Chegando em casa depois de um serviço de 24 horas, fui abordado pelos vizinhos que estavam na padaria. Perguntavam todos quase ao mesmo tempo sobre os ventos fortes que viriam para a costa de Santa Catarina. Lembro que disse sim a eles, e que entre os cuidados a tomar, o mais importante era ficar dentro de casa, e deixar o vento ir embora.

Em casa 24 horas antes

Pai! O que é um furacão? Respondi de maneira lúdica: é um clube de futebol que tem na capital minha filha! Sorriu! – Então não é tão furacão assim né pai!? (Risos). São ventos fortes Camila, acima do normal. – Estão falando na escola que está pra chegar um furacão pelo mar, sabe de alguma coisa? Hoje eu não sei, mas amanhã o pai tá de serviço, e vou saber. A ideia era não criar pânico.

No quartel pela manhã

Sabendo do porvir de imediato liguei pra casa, informei minha esposa sobre o evento. Ela pegou as meninas e seguiu para casa de sua irmã, não muito distante da nossa. Logo eu e os manos de farda ficamos de prontidão, com materiais, equipamentos e viaturas, como sempre tudo certo! A imprensa foi avisada.

A espera do furacão

Ao entrar da tarde do dia 27/03/2004, o plano de chamada foi acionado, digo, Bombeiros de folga foram convocados a comparecer no quartel. Mais tarde, já noite, apareceram também militares do Exército. Não havia vento algum e lá pelas 22 horas surgiu o “bizu” da desmobilização, mas logo afastado pelos oficiais.

O começo

Por volta das 23 horas, fomos avisados via rádio que o Furacão chegara em Balneário Arroio do Silva. Casas e árvores arrancadas do chão. Confesso que no momento não tive medo, só receio. Naquele instante, iniciava um vento forte na região de Criciúma. Logo as ocorrências ….

Ocorrências do Furacão Catarina

Foram várias as frentes, e a que eu estava atendemos a primeira, onde um homem no interior de uma farmácia, por volta das 23h40’, o vento havia destruído parcialmente a parte frontal de vidro do comércio e espalhado medicamentos ao chão. O mesmo cidadão atuava ali como balconista, assustado, mas sem qualquer dano a sua saúde permaneceu no ambiente.

Nós no centro da cidade com o ASU – Auto Socorro de Urgência / ambulância, não fomos arrastados pela força do vento por muito pouco, a viatura envergou como fosse vara de marmelo (resistente e flexível). Naquela hora, nosso mergulhador que compunha a guarnição exclamou. – Vai virar!! Pedi calma e falei para apertarem os cintos!

Toda ação violenta do vento, quase que por mágica desapareceu. Especialistas nos disseram que naquele momento estávamos no olho do Furacão. Poucos minutos depois fomos acionados na Vila Progresso, uma casa havia desabado, e uma família sob os escombros. No local, a adversidade era total (escuridão, chuva com gosto de sal e vento muito vento), retiramos todos para casa de parentes, exceto o pai, que me disse: Bombeiro deixa eu aqui pra cuidar de minhas coisas, vocês salvaram meus filhos e esposa (em prantos), mas eu não posso abandonar o “barco” ….

Lá pelas tantas, veio o pensamento. E a família?

Na casa de minha cunhada, minha filha mais velha e esposa, passaram a noite inteira ajudando a conter janelas e portas para bloquear a ação do Furacão. Todos os móveis, assoalho, eletrodomésticos e outros itens molharam.

Quase noite do dia seguinte, fui busca-las e… fomos para casa. No caminho vi casas destelhadas, muros derrubados, fios no chão, árvores cortadas a margem da rua, e chegamos à frente de casa …. por fora intacta … por dentro sem nenhuma alteração, tudo como havíamos deixado! Aí foi a minha vez de chorar! Deus é maravilhoso pra gente!!

Dados de evento

35.873 casas danificadas (993 destruídas);
4 mortes;
518 feridos;
33 mil desabrigados;
R$ 1 bilhão de prejuízo;

-14 cidades em estado de calamidade pública.

Fonte: Revista SUPER interessante, UFSC, Defesa Civil de SC.

Obs: horas depois voltamos a primeira casa que havia desabado, e convencemos o cidadão a ir para casa, onde estava sua família. Ambiente seguro e isolado, fomos acionados para outra ocorrência.