3. O bilhete que dizia poucas palavras

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Por algumas noites minha inspiração havia se perdido. E agora, em frente ao computador, numa busca de escrever algo qualquer, afim apenas de ver as horas passarem, para minha surpresa nada saia da mente. Não eram nem cinco horas ainda. Havia passado o dia todo abstraído num livro que na noite anterior havia ganhado de minha professora. Não era nada muito especial, e a discussão para lhe ser sincero, não me trouxe nada de novo, mas como presentes não se recusa, decidi então o ler, já que não sabia onde meu velho Bukowski andava naquele momento.

O bilhete que estava no bolso de meu casaco jogado sobre a cama, despertava-me tal curiosidade, porem decidi me fazer um pouco de difícil, como quem quisesse dizer que não estava preocupado para saber o que ele continha. Porém, isto nada mais era que mentir para mim mesmo, afinal contava os segundos para abrir aquele maldito bilhete, e quem sabe descobrir o porquê de tanto mistério.

Poxa, ela não podia simplesmente ter me xingado, ou coisa assim – pensava eu em meio meu quarto. Puxei o casaco e enfim tirei do bolso o bilhete que a está altura já estava todo amassado.

 

Nove noites, dormi sem saber,

Nove chances de requerer,

Seis modos de te pedir,

Ou apenas seis outros momentos esperar,

Uma palavra de sua boca sair,

Ou por mais cinco dias, o silêncio reinar,

E mais duas tentativas esperar,

Para enfim, um livro lhe roubar!

 

Era brincadeira – pensava eu! Uma poesia digitada no computador! Nada mais! Nem um nome, nem uma pista sequer. O que ela queria afinal?

Pensava nela, enquanto lendo por várias vezes aquela poesia, buscava encontrar uma resposta para tudo aquilo. Primeiro as trocas de olhares, depois seu rosto vermelho, depois a expressão de raiva, e por fim levou-me um livro e deixou está poesia impressa e sem nexo algum. Parecia que as coisas não faziam sentindo. Perguntava-me o porquê de não assinar ao menos seu nome, para quem sabe eu poder procura-la e tentar reaver meu livro. Porém o que mais me impressiona era a forma como aquele rosto não saia de minha mente. Aquela imagem, misturada ao mistério deste bilhete, fizeram com que perdesse até minha inspiração. Está bom! Confesso que pensar perder um livro, também me fazia perder o sono. Porém não entendia ao certo o porquê de tudo isto.

Lia e relia aquele maldito bilhete, e nada mais saia de minha mente. Não entendia o porquê destas palavras. Na verdade não entendia o porquê de um poema escrito no Word. Quem seria estranho o suficiente para escrever um poema no Word para dar para outra pessoa? Porém, isso não me interessava agora. Na verdade queria apenas vê-la novamente. Minha mente fervilhava de perguntas, e até alguns xingamentos que não sei ao certo se teria coragem de levar até ela.

O relógio dizia-me que era hora de partir. Não demorei muito, para ir para parada, ansioso por saber se a veria novamente ou não. Diferente de outros dias, hoje estava agitado, andando de um lado para o outro, esbravejando pelo ônibus demorar a chegar. Os que ali comigo estavam, deviam estar me achando um completo louco, uma vez que estava sempre abstraído num livro qualquer, o mais longe possível do contato com outras pessoas. Sai tão rápido de casa que nem ao menos dei-me conta que estava de meia e chinelo. Mas agora já era tarde. Não dava tempo de voltar para casa para calçar meus sapatos. Afinal, dane-se o que os outros irão pensar disso. O que quero agora é apenas poder rever aqueles olhos que parecem-me a vista do mar.

De mais a mais, para lhes ser sincero, havia esquecido até de minha mochila. Limitei-me apenas em pegar meu casaco e o bilhete que deixei sobre minha escrivaninha.

Não demorou muito para perceber os olhares assustados dos demais estudantes, afinal não são todos os dias que se encontra alguém esperando o ônibus de chinelo e meias. Enquanto tentava desviar-me dos olhares dos outros, avistei o ônibus que se aproximava. Adiantei-me entre os demais, abrindo caminho meio que por pressão. Alguns até fizeram cara feia, porém não importava-me muito com isso.

Não demorou a estar sentado ao mesmo lugar, como de costume fazia. Agora era apenas torcer para que a sorte hoje estivesse ao meu favor. Pensei em muitas coisas para dizer a ela quando entrasse, porem apenas de pensar nisso, já sentia meu coração palpitar, como quem quisesse saltar do peito. Pensei também, o quanto não seria melhor esquecer tudo isto, porem algo me dizia que está não era a melhor solução.


Nada de diferente até então. Paramos onde ela normalmente costumava entrar, mas para meu azar hoje ela não estava lá. Cai de ombros, quando percebi isso, afinal havia passado a última noite em claro e o dia todo pensando nisso. E mais aquele bilhete, que nem ao menos era digno de deixar uma simples explicação, um nome, ou uma forma de contato qualquer.

Parecia loucura de minha mente, e para lhes ser sincero, acredito que estava realmente a ponto de enlouquecer. Afinal qualquer cabelo loiro que via sentado naquele ônibus, fazia-me saltar do banco numa tentativa desesperada de ter certeza que não era ela. A está altura o ônibus já estava perto da primeira faculdade, onde mais da metade do ônibus desembarcava. Meu rosto, que não escondia a decepção, por vezes dava lugar a um sorriso perdido que surgia quando parava para refletir sobre tudo que acontecera nos últimos dias.

Quem seria afinal está garota? O que está maldita poesia quer me dizer? O porquê não consigo tira-la de minha mente? …

  • Você que é o Pedro? – perguntou-me uma menina ao meu lado.

Como num despertar de minha imaginação, olhei para ela um tanto assustado. Demorou alguns segundos para me situar. O ônibus já estava parado, enquanto algumas pessoas desciam. Não sei ao certo o que aconteceu. Muito provável que devo ter apagado em meio a tantos pensamentos.

  • Você que é o Pedro? – perguntou-me novamente a garota.
  • Sim, sou eu! – Respondi.

Com um sorriso nos lábios, como quem ria da situação, ela apenas deixou-me um bilhete balbuciando algo que não consegui entender. O peguei sem saber ao certo do que se tratava. E quando tentei questiona-la sobre o que era aquilo, já era tarde, ela já havia descido do ônibus.