Por Francine Ferreira
Em períodos de estiagem, conceitos de “Água Virtual” e “Pegada Hídrica” reforçam a necessidade de mais conscientização da sociedade.
Estamos acostumados a quantificar o consumo de água pela quantidade do líquido que sai das torneiras para suprir as necessidades diárias de cada pessoa ou de determinado trabalho. No entanto, o uso desse recurso tão necessário vai muito além disso, se fazendo presente de forma considerável no processo produtivo de diversos itens da rotina de todo ser-humano, sem que muita gente perceba.
Conforme dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento, do Ministério das Cidades, cada brasileiro consome de forma direta, em média, 154 litros de água por dia, sendo 44 litros a mais do que os 110 litros ao dia que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera necessário para uma pessoa. Isso, sem contar todo o líquido que não é visto, mas que foi utilizado para produzir os demais produtos consumidos ao longo dos dias.
Neste sentido, surgem os conceitos de “Água Virtual” e “Pegada Hídrica”, reforçando a necessidade de mais conscientização e economia diante da possibilidade de escassez. A primeira expressão foi utilizada inicialmente em 1993, pelo pesquisador inglês John Anthony Allan, e é caracterizada pela quantidade de recursos hídricos utilizados em toda a cadeia de produção de um determinado bem.
Seguindo na mesma linha, em 2002, o pesquisador Arjen Hoekstra, da Universidade de Twente, na Holanda, introduziu o termo “Pegada Hídrica”, que leva em consideração o uso da água de forma direta e indireta, tanto do consumidor quanto do produtor. Entram no cálculo do indicador, a soma dos volumes de água doce consumidos e/ou poluídos ao longo da cadeia produtiva do determinado produto ou serviço.
De acordo com a organização internacional Water Footprint, por exemplo, um quilo de carne bovina exige, em média, 15 mil litros de água, dependendo do tipo de sistema de produção e da composição e origem da alimentação do gado.
O apelo é para todos
Diante deste cenário e por conta de todos os problemas de estiagem evidenciados em regiões cada vez mais próximas do Sul catarinense nos últimos meses, o Comitê da Bacia do Rio Araranguá e Afluentes Catarinenses do Rio Mampituba reforça o apelo pela conscientização e consequente redução no consumo da população, de forma geral e em todos os setores.
“Uma associação de irrigantes, o setor de mineração e as indústrias, que pagam pela água que entra em seu sistema produtivo, conseguem ter uma percepção maior da importância do recurso. Porém, essa discussão sobre a ‘Água Virtual’ se torna cada vez mais necessária, na medida em que as pessoas não conseguem ter a percepção clara de que a água é utilizada em praticamente tudo o que é consumido e utilizado no dia-a-dia”, argumenta o presidente do Comitê Araranguá, Luiz Leme.
Uma das necessidades mais evidentes do ser-humano atualmente, a energia elétrica precisa da água para ser gerada. “Além das hidrelétricas, até mesmo as termelétricas usam o líquido. Na questão do resfriamento das caldeiras ou para o carvão mineral, que exige água em seu processo de extração”, completa a assessora técnica do Comitê Araranguá, engenheira ambiental Michele Pereira da Silva.
Na alimentação, segundo a assessora técnica, tudo o que é consumido também precisa de recursos hídricos para o cultivo, como no caso dos vegetais, saladas, frutas, carnes e sementes. “E no vestuário, ainda que muitos tecidos sejam sintéticos, em algum momento do processo produtivo o líquido foi empregado”, acrescenta Leme.
Agir, antes de faltar
Por fim, de acordo com o novo relatório do Programa Conjunto de Monitoramento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em junho deste ano, atualmente, uma em cada três pessoas no mundo já não tem acesso a água potável.
“Com tudo isso, queremos fazer com que as pessoas pensem um pouco fora da sua realidade imediata e parem de acreditar que, por usarem a água apenas para o consumo próprio, estarão totalmente protegidos em situações de escassez. A partir do momento em que termos uma crise grande de estiagem ou um processo de falta de água efetivo, toda a sociedade vai sofrer, seja em maior ou menor grau, nas casas ou estabelecimentos comerciais e industriais. A discussão é necessária e precisa ser repercutida de imediato, antes que realmente passemos a sofrer com isso”, finaliza a engenheira ambiental.