Dívida de aposta pode ser cobrada pelos herdeiros?

Suponhamos que em determinado Município, em razão das eleições municipais, Fulano tenha feito uma aposta com Beltrano sobre quem venceria as eleições. Com o término da eleição, Fulano sagra-se vencedor da aposta e começa a cobrar de Beltrano o cumprimento da obrigação, qual seja: dar o valor apostado. Beltrano, chateado com a derrota nas eleições e, principalmente, com a cobrança insistente da aposta resolve matar Fulano.

A pergunta é: os herdeiros de Fulano terão direito a receber o valor apostado?

A questão é complicada! O Código Civil trata do assunto das apostas em seus artigos 814 a 817. O artigo 814, de cara, já é desanimador para quem apostou e ganhou:

As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

Traduzindo: ninguém será obrigado, juridicamente, a pagar valores que foram apostados. Entretanto, se quem perdeu a aposta voluntariamente pagar, não terá direito a ter o dinheiro de volta.

A questão é complicada por quê? Porque discute-se se as apostas são contratos ou não. O civilista Silvio Rodrigues tem um pensamento interessante:

O Código Civil cuida da aposta dentro do terreno dos contratos nominados, ao mesmo tempo que nega a esses ajustes qualquer dos efeitos almejados pelas partes, o que constitui uma contradição: se a aposta fosse um contrato, seria espécie do gênero ato jurídico, gerando, por conseguinte, os efeitos almejados pelos contratantes. Se isso ocorresse, seria justa sua disciplinação entre os contratos. Todavia, a aposta não é ato jurídico, posto que a lei lhe nega efeitos dentro do campo do direito. Assim, não podem ser enfileirados entre os negócios jurídicos e, por conseguinte, entre os contratos.

Isto é: aposta não é ilegal, mas também não é um contrato e, por essa razão, não há que falar em descumprimento de Obrigação, que deságua em Responsabilidade, de quem apostou e não pagou. A aposta, dessa maneira, está mais no campo da Responsabilidade Moral do que no espaço da Responsabilidade Civil – pois pagar ou não pagar uma aposta diz respeito à moral e a ética pessoal e não é uma questão jurídica.

Então a resposta à pergunta “o herdeiro tem direito a cobrar em juízo o valor de uma aposta pendente?” é: não! Não há como invocar o Código Civil para proteger quem se vale da simples relação de confiança e participa de apostas.

Mas atenção: lembrem-se que eu falei, no começo, que toda a questão começou em razão de um homicídio. Direito de cobrar a aposta os herdeiros não terão, todavia terão direito a indenização. O artigo 948 deixa claro que:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

É como eu vejo a questão. E o conselho que eu dou é que, se vai fazer apostas, que se firme um contrato nos temos previstos no Código Civil a partir do artigo 421.

Wagner Francesco