Marcos Alexandre Margotti Izé: Mais um dia como outro qualquer

12/01/2016 23:05

As mesmas reclamações. As mesmas dores que sou obrigado a suportar diariamente. As lamentações podem ser ouvidas pelos vizinhos, e confesso que por vezes isso gera-me certa vergonha. Mas na maioria das vezes o que sinto é apenas raiva mesmo.

Eram 9;30, ou talvez um pouco mais. Minha escrivaninha como de costume dividia o espaço entre meu velho computador, os vários livros e os rascunhos que se perdiam em meio a isso tudo. Havia me planejado para ler no mínimo umas 300 páginas hoje. Sabia que logo mais as aulas já iniciariam e precisava terminar o que havia me proposto para aquele verão.

Alguns dos amigos meus julgavam-me também. Pensava como poderia ser tão difícil de entender que o que queria do verão não era sol, mar e mulheres bonitas. E como já lhes disse anteriormente isso deixava-me irritado. Por vezes a tal ponto que me afastava um pouco dos amigos e familiares.

Em meu quarto podia-se ouvir de forma sutil uma das sinfonias de Beethovem que soava de meu computador, levando-me a uma viajem magnifica, enquanto estava perdido nas páginas de meu grande amigo Nietzsche. A música, misturada as palavras que entravam pela minha mente, deixavam-me em um transe que logo se transformava em um turbilhão de pensamentos. Dos pensamentos, o papel passava ser o meu parceiro, e quando dava-me conta o sol já estava se pondo atrás das montanhas que avistava da janela de meu quarto.

E depois de tudo isso, quando passadas umas 9 horas, largava meu corpo sobre minha cadeira e um grande sorriso tomava conta de minha face. Tinha um sentimento que era difícil de descrever. Satisfação? Acho que não. Sem dúvida o que sentia era algo que transcendia qualquer tipo de sentimento.

Pensava, porem o quando aquilo era incomodo a meus próximos. Sabia que enquanto divertia-me trancado em meu quarto, eles reclamava, e por vezes chorava sem entender o porquê disso tudo. Já não estranhava mais este tipo de comportamento, afinal isso havia se tornado habitual aqui em casa. De início, confesso que isso me assustava.

Era sábado, e o dia já havia ido embora. Descobri o calor, no momento em que sai de meu quarto e deparei-me com uma sensação que me parecia chegar perto dos 40 graus. Para minha surpresa a casa estava vazia. Não sabia ao certo para onde eles haviam ido, afinal não recebi explicação alguma. Parecia um tanto diferente o clima neste dia.

Havia pouco barulho em minha rua. Era janeiro. E aqui onde moro existe um costume de todos migrarem para praia quando chega o verão. Mas estava sozinho, e era isso que importava.

Percebi que hoje de fato seria o dia em que poderia divertir-me sem limites. Logo busquei meu livro no quarto e debrucei-me sobre o sofá para continuar minha leitura. A tempo já que não lia mais sentado no sofá, afinal isso era algo que não era muito aceito em minha casa. Ao menos não pelo tempo em que ficava lendo.

Olhei para o relógio e percebi que já eram quase nove horas. Ficou um pouco assustado, afinal o dia havia passado e não havia percebido. A noite lá fora já predominava, e de tempos em tempos, se escutava um carro passar na rua. Perdi com tudo isso um pouco da vontade que tinha de terminar aquele livro. Faltavam pouco mais de 30 páginas. Mas deixei ele de lado e fiquei deitado no sofá pensando em algo qualquer.

Por vezes sabia que era um pouco estranho. E compreendia o pouco número de amigos que tinha. Quer dizer, na verdade tinha apenas um. E confesso que tinha este, pois ele passava mais tempo do que eu lendo. Não que não gostasse de pessoas. Só não gostava de pessoas que não liam. Definitivamente não tinha paciência suficiente para conversinhas sem nexo, ou rumo certo, dessas que se houve em paradas de ônibus, pubs, bares e festas.

E isso era algo que realmente me incomodava. Conversas paralelas em paradas de ônibus. Definitivamente era difícil concentrar-se em uma leitura enquanto espera-se o ônibus. Por vezes pensava em manda-los ficarem quietos, mas sabia que minha aversão por pessoas que falam demais tinha que ter limites.

Acredito que muitos me odiavam, afinal falava pouco, e muitas vezes o pouco que falava não agradava os ouvidos alheios. Certa vez na faculdade ao responder a pergunta de uma colega sobre um aspecto do trabalho que estava apresentando, pensei que poderia ser agredido. Acredito que só não fui pelo fato de ela ser segurada pelos demais da sala. Estava ai outra coisa que não entendia. O porque que as pessoas não gostavam de ouvir a verdade.

Quando voltei em si, já eram mais de 10 horas, e agora de fato comecei a preocupar-me um pouco, afinal meus pais não costumavam ficar fora por tanto tempo. Senti minha barriga roncar. Busquei na lembrança recordar quando havia comido pela última vez e percebi que isso poderia não ter acontecido nas últimas 10 horas.

Mas afinal, já eram 10 horas, e não demoraria muito para me recolher. Aquele sentimento que me possuía, sentado a minha cadeira, neste momento já havia se dissipado. Olhei para o livro caído ao chão, logo ao lado do sofá e terminei as 30 páginas restantes. Parecia de certa forma ter adiantado um pouco, pois sabia que amanhã teria outro livro para devorar. Mas sabia que aquilo já estava insuficiente para mim. Parecia que estava um tanto viciado. A cada livro, a cada página, a cada dia de estudo tornava-me mais solitário e afastava-me cada vez mais do convívio. E isso de certa forma intrigava-me.

O café sobre a mesa, convidava-me para uma conversa. E era o primeiro deste dia. De fato agora tive certeza, de que era muito provável que não havia comido naquele dia. Minha barriga roncava forte. Parecia querer separar-se de meu corpo. Bebi meu café, e não demorei muito para me perder novamente em pensamentos, que foram o que restaram-me no fim de mais um dia.

Marcos Alexandre Margotti Izé – 09 de janeiro de 2016