HTLV: conheça o vírus e saiba por que gestantes são o foco das testagens

“Primo” do HIV é pouco conhecido, mas se tornou alvo recente da prevenção de doenças e infecções; entenda como ocorre a transmissão e as maneiras de se proteger

Embora tenha sido o primeiro retrovírus humano identificado, o HTLV ainda é desconhecido pela maior parte da população. Da mesma família do HIV, vírus causador da aids, o HTLV foi considerado um mal menor durante décadas. Agora, porém, evidências reforçam a importância da prevenção contra esse agente infeccioso, sobretudo entre gestantes.

Existem quatro subtipos do vírus HTLV, sendo os mais comuns o 1 e o 2. Cerca de 5% dos infectados pelo HTLV-1 desenvolvem doenças associadas — o vírus atinge as células de defesa do tipo linfócitos T CD4+, podendo causar complicações neurológicas e hematológicas graves. Estima-se que 2,5 milhões de brasileiros estejam infectados, o que coloca o país entre os de maior prevalência no mundo.

A maioria dos casos, contudo, permanece assintomática por toda a vida. “Grande parte dos indivíduos infectados apresenta um equilíbrio imunológico que impede a ativação descontrolada do vírus. O HTLV-1 não destrói diretamente os linfócitos, como ocorre no HIV, dependendo de fatores da saúde do hospedeiro, incluindo aspectos genéticos e imunológicos. Por isso, apenas uma pequena proporção desenvolve doenças associadas”, explica a infectologista Marina Roriz Pedrosa, do Einstein Hospital Israelita em Goiânia.

A comparação entre o HTLV-1 e o HIV ajuda a compreender melhor o comportamento do vírus menos conhecido. Ambos compartilham estruturas e vias de transmissão semelhantes— sexual, sanguínea e vertical —, mas têm efeitos diferentes no organismo.

O HIV leva à destruição das células de defesa se não tratado. Já o HTLV-1 está ligado a condições específicas, como a paraparesia espástica tropical, uma doença neurológica sem cura que debilita o movimento das pernas, e a leucemia ou linfoma de células T do adulto, dois cânceres de sangue. Há ainda manifestações menos frequentes, como dermatite infecciosa, uveíte (inflamação ocular) e infecções recorrentes.

Amamentação e a transmissão vertical

A transmissão do HTLV ocorre principalmente nestes três cenários: de mãe para filho, durante a amamentação; em relações sexuais desprotegidas com parceiro infectado; e pelo compartilhamento de seringas e agulhas.

A passagem de mãe para filho, também chamada de transmissão vertical, é uma das mais preocupantes, por ser a forma mais frequente de contágio devido à longa exposição durante os meses de aleitamento. Esse risco se torna ainda maior quando a amamentação se estende por mais de seis meses. Por isso, gestantes infectadas são orientadas a não amamentar.

O Sistema Único de Saúde (SUS) fornece gratuitamente fórmulas lácteas para os bebês expostos. Mesmo com essas medidas, contudo, o risco residual de transmissão é de cerca de 5%, podendo ocorrer também durante a gestação ou o parto.

Em diversos países, o teste materno não é obrigatório durante o pré-natal. No Brasil, só se tornou praxe em 2024, quando foi incluído na lista obrigatória de exames do pré-natal no SUS. Nesse mesmo ano, o governo brasileiro incluiu a infecção por HTLV na lista de notificações compulsórias, aquelas que, após a confirmação do diagnóstico, devem ser informadas às autoridades de vigilância para alimentar políticas públicas de contenção.

Ainda entre as iniciativas para combater a doença, em parceria com o Ministério da Saúde, a Fiocruz Bahia conduz um estudo com 516 mães portadoras do HTLV, avaliando o uso de um antirretroviral para prevenir a transmissão vertical. O objetivo desse conjunto de ações é eliminar o contágio de mãe para filho até 2030.

Diagnóstico e tratamento ainda limitados

O diagnóstico do HTLV é feito por exames de sangue em duas etapas. Primeiro, um exame de sangue simples de triagem detecta os anticorpos específicos. Depois, uma análise mais detalhada é feita para distinguir o subtipo da infecção. “No Brasil, esses exames estão disponíveis em centros de referência, especialmente nos bancos de sangue, onde a triagem é obrigatória desde 1993”, explica Pedrosa.

Ainda não existe terapia antiviral capaz de eliminar o vírus, embora alguns protocolos tenham tido resultados promissores em testes com animais. Em um estudo divulgado em julho pela revista Cell, pesquisadores da Austrália revelaram ter conseguido impedir que camundongos contaminados passassem o vírus para suas crias ou parceiros sexuais, criando um estado indetectável semelhante ao do tratamento do HIV.

Enquanto novas terapias não chegam, a abordagem terapêutica atual é voltada para o manejo das complicações. Pacientes com paraparesia espástica, por exemplo, são tratados com corticosteroides e fisioterapia. Já os casos de leucemia associada recebem quimioterapia e, quando indicado, transplante de medula óssea.