Quem explica a paixão pelo futebol?

Difícil explicar como nasce a paixão pelo futebol. Talvez seja uma manifestação espontânea como aquela que temos, em diferentes medidas, pela arte. Paixões assim, têm histórias apaixonantes, histórias que devemos reverenciar como se fosse um tributo à natureza humana. Essa natureza que nos leva a fazer promessas por nossos clubes do coração, que nos leva a apostar no jogo do bicho para ver se as coisas melhoram, enfim, essa natureza que nos faz únicos.

Somos feitos da mesma matéria das estrelas, o que infere dizer que somos astros. Apostar nos desportos como ferramenta de inclusão, como dispositivo capaz de nos fazer mais saudáveis, mais sociáveis, explica gostar tanto de futebol. O futebol, dentre todas as outras modalidades, é aquela prática que não requer nada mais que um tijolo para demarcar as linhas na rua de asfalto e duas pedrinhas para dar dimensão ao gol. O campinho de terra é uma dádiva e a doação de seis ripas de madeira para dar formas às balizas, uma verdadeira benção. Escolher os times depois do par ou ímpar e decidir quem joga com camisa e quem joga sem é a maneira mais democrática de se uniformizar os jogadores. Vira cinco acabam dez! Não, essa bola foi fora! Todos juízes de todos na hora de marcar uma falta. Astros carregando na própria voz o nome de suas estrelas do coração.

As pessoas gostam de futebol porque se veem como jogadores. Gostam porque se pensam capazes de realizar uma jogada ainda melhor que aquela do final de semana do jogo transmitido ao vivo. E esperar pelos gols da rodada? E discutir a atuação do árbitro? Foi pênalti, como ele não marcou? Hoje temos o VAR que, cá entre nós, resolve na base da insensibilidade. Pelo VAR, os lances discutíveis são esmiuçados por trezentos ângulos diferentes e aí nos lembramos daquelas crianças no campinho de terra discutindo acaloradamente a partir dos seus pontos de vista, decidindo, afinal, de modo consensual.

As pessoas gostam de futebol porque apostam em si mesmas, confiam tanto em si mesmas que chegam a se sentir culpadas quando não assistem ao jogo e o seu time saiu derrotado. Elas fazem parte do time e a não presença pode significar a derrota ou o triunfo. As pessoas sentem-se responsáveis pelo seu clube e, é justamente por isso que não se furtam às vaias se preciso for e mesmo às ações mais contundentes contra a agremiação e contra os próprios jogadores. Isso tem nome, paixão.

O futebol leva ao paraíso e ao inferno. Leva o indivíduo à porta do clube para festejar uma contratação, como para pichar os muros com insultos e ameaças quando o time não demonstra raça, quando os resultados negativos são atribuídos à falta de empenho dos jogadores ou à burrice do técnico. As portas do paraíso se fecham e as do inferno se escancaram. Títulos, conquistas individuais como artilharia, goleiro menos vazado, número de assistências alçam o torcedor à condição de ser encantado, ele se sente vitorioso, ele pulou junto com o goleiro e defendeu aquele pênalti aos quarenta e cinco do segundo tempo, ele viu o ala abrindo pela esquerda e fez aquele lançamento de sessenta jardas. O torcedor joga junto, ele é peça fundamental no esquema tático, o famoso décimo segundo jogador.

Gostar de futebol é da natureza humana, é como exercer um talento ou alimentar, sem economia, uma paixão, é questão de caráter. O jornalista e dramaturgo, Nélson Rodrigues, dizia, aliás, que “muitas vezes, é a falta de caráter que decide uma partida (…)”, referindo-se, obviamente, às artimanhas e pequenas maldades cometidas no jogo. Maradona, por exemplo, quando questionado sobre o célebre gol de mão na copa de 1986, não hesitou, “la mano de Dios”; poesia e cinismo ou desvario de um apaixonado?

As pessoas se apaixonam pelo futebol porque se tornam Pelés, Garrinchas, Maradonas, Messis, Cristianos, Martas, Formigas, porque o futebol as livram da pobreza, porque faz o coração bater mais forte e nunca esquecer de que está vivo, pulsante e que, a qualquer momento, tudo pode ser diferente. O futebol é uma representação da vida. Muitos se comportam como atacantes, daqueles rompedores ou oportunistas, outros se comportam como zagueiros e, claro, há quem viva a vida como um goleiro, mas, independente de como o torcedor encara a vida, todos somos técnicos, todos nós temos a solução.

“Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”, era assim que Fiori Gigliotti iniciava uma transmissão de futebol pelo rádio. As pessoas gostam de futebol porque gostam do espetáculo.