Estudo realizado pela Unesc e pela Furg foi concluído recentemente.
Após praticamente um ano do início das medidas restritivas para tentar conter a proliferação do vírus Sars-COV-2, como será que anda a saúde física e mental das pessoas? Pois o estudo Mental Covid – Impacto da Covid-19 sobre a Saúde Mental da População”, realizado por meio de uma parceria entre a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e a Universidade Federal de Rio Grande (Furg), tem importantes respostas. Concluída recentemente, a pesquisa aponta que o cenário causa mais sofrimento psicológico que a própria doença. Em alguns grupos da população, a pandemia causou estresse, depressão e até ideação suicida. Já em outros, a saúde física também foi prejudicada, com a diminuição da atividade física e o ganho de peso.
O estudo foi desenvolvido em Criciúma (SC) pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSCol) da Unesc, e coordenado pelos professores doutores em Epidemiologia, Antônio Augusto Schäfer e Fernanda de Oliveira Meller. Já na cidade de Rio Grande (RS), a pesquisa foi realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) da Furg, tendo como líder o professor doutor em Epidemiologia, Samuel de Carvalho Dumith. O estudo foi contemplado em um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e o seu desenvolvimento contou com uma equipe formada por diversos pesquisadores e acadêmicos das duas universidades.
A pesquisa foi realizada de outubro de 2020 a janeiro de 2021 e segundo a professora da Unesc, teve o objetivo de avaliar os impactos da pandemia de Covid-19 na saúde mental e física da população adulta e idosa dos municípios de Criciúma e Rio Grande, que possuem características semelhantes, como o número de habitantes – cerca de 210 mil cada. “O estudo de base populacional foi realizado com uma amostra aleatória (as residências foram escolhidas por sorteio) de adultos e idosos. Ao todo, foram entrevistadas 2.170 pessoas em mais de 1.000 domicílios. Em Criciúma, visitamos mais de 600 domicílios e entrevistamos 863 pessoas. Entre os pontos abordados estiveram alimentação, realização de atividades físicas, qualidade de vida, duração do sono e diversos aspectos da saúde mental”, conta Fernanda.
Um dos pontos observados pelos pesquisadores é que embora sejam de estados diferentes, com economias distintas e sem proximidade geográfica, os dois municípios onde as entrevistas ocorreram tiveram resultados semelhantes.
O líder da pesquisa comenta que para avaliar o impacto, foi estabelecido um comparativo entre um perídio anterior (pré-pandemia) e um posterior (durante ou pós-pandemia), e isso foi possível porque a Furg havia feito um estudo sobre a saúde mental e física da população de Rio Grande em 2016 e a Unesc, um levantamento nos mesmos moldes em Criciúma, em 2019. “Resolvemos reproduzir estas duas pesquisas para ver de que forma a pandemia afetou a saúde das pessoas. Para nossa surpresa, a saúde mental melhorou após a Covid-19. Porém, isso não aconteceu para todos os grupos. Para as pessoas mais afetadas pela pandemia, observaram-se maiores níveis de depressão, estresse, tristeza e ideação suicida”, revela Dumith.
O resultado da pesquisa demonstrou que a piora do quadro de saúde mental não foi causada pelo coronavírus em si. “O que nos chama muito a atenção é que o que está impactando a saúde mental não é o fato de ter tido ou não a doença. Tudo o que cerca a pandemia tem causado mais sofrimento psicológico que a própria doença”, afirma Schäfer.
Segundo o professor da Unesc, as pessoas que fizeram o isolamento total e praticamente não saíram de casa, tiveram uma pior percepção de sua saúde e maior nível de estresse e depressão. Além disso, aqueles que fizeram uma busca excessiva de informações (denominado “infodemia”) foram as que, comparativamente, tiveram o maior sofrimento psicológico. “Já entre os indivíduos que tiveram Covid-19, não houve nenhuma diferença nos escores de depressão e estresse, quando comparados àqueles que não tiveram. O que debilitou (e vem debilitando) a saúde mental das pessoas é o medo e/ou preocupação de contrair a doença. Tanto que, entre as pessoas que já tiveram Covid, este medo/preocupação é menor”, revela.
O distanciamento total foi maior para sexo feminino, para idosos e para pessoas de um menor nível socioeconômico. O medo/preocupação com a Covid-19 foi maior para pessoas do sexo feminino e para idosos. Já a busca excessiva de informações (infodemia) foi maior entre os idosos.
Além da saúde mental, a pesquisa abordou também a física e os resultados também chamam a atenção. Entre os entrevistados, cerca de 40% das pessoas relataram aumento de peso; 40% diminuíram a prática de atividade física e 30% passaram a comer mais após a pandemia.
O professor da Furg e líder da pesquisa, Samuel de Carvalho Dumith, afirma que os dados levantados trazem à tona um dilema: as complicações causadas pela Covid-19 têm levado milhões de pessoas a óbito, por razões de cunho biológico (deterioração da saúde ‘física’). Porém, o que tem debilitado a saúde mental da população não é a doença propriamente dita, mas as medidas impostas para conter a proliferação do vírus, como o distanciamento social. “De um lado as pessoas podem deixar de viver por causa de um vírus que pode ser letal; de outro, com o distanciamento social e as preocupações impostas pela pandemia, as pessoas seguem vivendo, mas sem perspectiva, sem ânimo, sem esperança”, analisa.
Todas as informações coletadas nas entrevistas foram armazenadas em um banco de dados e estão sendo analisadas. As informações serão compiladas e fornecidas para o poder público dos municípios participantes da pesquisa, para colaborar na tomada de decisões na área da saúde coletiva. O estudo ainda será o ponto de partida de artigos científicos desenvolvidos pelos alunos e professores do Mestrado em Saúde Coletiva da Unesc.
Por Milena Nandi
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