Música: Aprendendo a ouvir

21/01/2015 19:21

 

Prezados leitores, antes de tudo quero agradecer o convite do amigo Tadeu Spilere para escrever este artigo sobre educação musical e aproveito para parabenizá-lo pelo belo trabalho que tem feito pela cultura de Nova Veneza através do jornal Nossa Gente. Vamos lá…

Há quase dez anos ensinando música, tenho percebido algumas dúvidas comuns à grande maioria dos pais que desejam ver seus filhos tocando um instrumento desde cedo. Certamente já ouviram ou leram sobre alguns dos benefícios que o aprendizado musical pode proporcionar, tais como: aumento da capacidade de concentração e aprendizagem, melhora no raciocínio matemático, estímulo à organização e disciplina, desenvolvimento humano-artístico-cultural, socialização, dentre outros. E a dúvida mais comum é: com que idade meu filho pode começar a aprender um instrumento?

Bom, é difícil dar uma resposta com precisão a esta pergunta, pois cada criança tem o seu tempo e isso precisa ser respeitado. Costumo dizer que o interessante é que a criança saiba ler e escrever alguma coisa. Especialistas no assunto afirmam que a hora ideal para aprender um instrumento é quando a criança apresentar interesse. Mas isso não significa que você tenha que esperar até que a criança desenvolva habilidades e interesses para envolvê-la no mundo da música. Afinal, você pode estimular os pequenos mantendo-os sempre em contato com boa música.

É muito provável que desde que seu filho ou filha abriu os olhos pela primeira vez já tenha visto pelo menos o vulto da galinha pintadinha ou outro personagem cantando na TV, computador ou smartphone. E lá está a música acompanhando imagens coloridas e animadas. É engraçado ver a criançada se divertindo e às vezes até arriscando cantar junto sem saber falar uma única palavra com mais de duas sílabas. É importante ressaltar que o objetivo principal da grande maioria desses vídeos musicais é destinado ao entretenimento infantil, mas, no entanto, podem auxiliar na educação musical. Até porque muitos deles incluem músicas folclóricas em seu repertório e isso é muito bom.

Estudos afirmam que a educação musical acontece de maneira informal e assistemática na sociedade. Mas o que isso quer dizer? É que a educação musical acontece, em parte, através do contato com músicas folclóricas, atividades e eventos culturais, produtos da indústria do entretenimento, enfim, a música está por toda parte e isso influencia a todos de alguma forma. Porém, a dica para uma educação formal de crianças que ainda não desenvolveram habilidades de leitura e escrita são atividades de musicalização. Estas atividades consistem em aprender a reconhecer sons diversos, musicais e não musicais, sons corporais, da natureza, conhecer e explorar a sonoridade de instrumentos de pequena percussão (pandeiros, tamborins), sopros (flautas), ouvir músicas de diferentes gêneros e estilos, fazer jogos com figuras musicais, cantar, enfim, desenvolver a percepção auditiva e apreciação musical.

Agora muitos devem estar se perguntando, mas onde a criançada pode aprender tudo isso? Pois então, em agosto de 2008 entrou em vigor a lei nº 11.769 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tornando obrigatório o ensino de música no ensino fundamental e médio. As escolas tiveram três anos para se adaptarem, porém após esse período, muitas ainda têm tido dificuldades para se adequarem à lei. Apesar disso, a tendência é que a situação melhore gradualmente e que atividades de musicalização sejam cada vez mais comuns nas instituições de ensino. Vale reforçar que o ensino musical na escola está inserido dentro da disciplina de artes e que o objetivo não é formar músicos e sim bons ouvintes, que prezem pela cultura musical. Além de usufruírem de todos os benefícios citados no segundo parágrafo, estarão mais aptos a iniciarem o estudo de um instrumento, se for o caso, ou alguma outra atividade relacionada à música.

Dos instrumentos que ensino, a flauta doce costuma ter grande procura por parte das crianças e isso é bastante positivo por ser um excelente instrumento de iniciação musical. Adolescentes e adultos costumam procurar por aulas de violão e geralmente são movidos por interesses bem parecidos. Querem aprender para tocar em casa com a família, ou em um churrasco com os amigos, na igreja, no evento da escola ou então formar uma banda. E na sequência de esclarecimentos às dúvidas mais comuns, percebo também que alguns mitos ainda permanecem na sociedade quando o assunto é aprender música. Mitos do tipo: “é preciso começar cedo porque depois de velho não aprende mais”, ou então: “pra tocar tem que nascer com o dom da música”.

É claro que quanto mais cedo começar melhor, mas costumo dizer que qualquer sujeito com sanidade mental e auditiva pode aprender música, em maior ou menor grau de dificuldade, de acordo com suas características e aptidões. É questão de treino, ninguém nasce sabendo. Se você nasceu e cresceu em meio a pessoas que ouvem muita música e/ou tocam algum instrumento, é bastante provável que você terá alguns pontinhos a mais na sua aptidão e facilidade de aprendizado. O fato é que as regras gerais valem para todos.

É preciso querer, ter um pouco de disciplina e perseverança. Aproveito para esclarecer também que não há necessidade de um método rígido, “engessado”, quando se trata de aprender música como atividade cultural e de lazer, ou seja, sem a intenção de tornar-se profissional. Cada pessoa tem seu modo de aprender e o educador precisa identificar as necessidades individuais para conduzi-las pelo caminho que trará melhores resultados.

Seja qual for a faixa etária, para quem deseja tocar um instrumento, a necessidade primária é bem parecida e faço questão de reforçar. Um dos princípios básicos para quem deseja aprender música é desenvolver a apreciação musical, em outras palavras, é preciso aprender ouvir. É meio lógico, mas muitos não se dão conta de que se você quer fazer música é preciso, antes de qualquer coisa, ouvir música. Mas não de qualquer jeito. Nas aulas os alunos aprendem a reconhecer sons de instrumentos diversos, diferenciar sons graves e agudos, longos e curtos, fortes e fracos, atividade estas que envolvem as propriedades do som e que auxiliam no desenvolvimento da percepção auditiva. Ouvir música de qualidade e interpretar a mensagem que o compositor pretende expressar também faz parte do processo de desenvolvimento da escuta ativa.

Em um período atual de consumismo acelerado pela comunicação digital, onde existe certa cobrança no mercado de que quase tudo tem que ser vendido sob uma filosofia de uso e descarte, a produção musical de qualidade tem sofrido as consequências. Músicas de baixa qualidade e “descartáveis” têm sido o produto dessa cultura de consumo. Certa vez, Heitor Villa-Lobos disse: “A música, eu a considero, em princípio, como um indispensável alimento da alma humana. Por conseguinte, um elemento e fator imprescindível à educação da juventude”.

Analisando a frase do ilustre compositor carioca, imaginemos uma criança que vai ao mercado com dinheiro e tem que optar por guloseimas ou alimentos saudáveis […] E aí? Qual vai ser? É questão de educação alimentar, e no caso da música, educação musical. É claro que são situações e produtos diferentes, mas já que não podemos definir o que o mundo tem a nos oferecer, pelo menos saibamos filtrar o que queremos absorver. Esse é um dos papéis do educador musical, mediar a aprendizagem e desenvolver o senso crítico nos alunos para que decidam por si o que querem e precisam.

Segundo Keith Swanwick, aclamado educador musical britânico, “apreciar uma música não é algo que sabemos desde sempre, não é instintivo. Precisamos educar nossos ouvidos para a apreciação. À medida que aprendemos a escutar, nossa experiência com a linguagem musical se torna cada vez mais rica, pois aprendemos a interpretar a intencionalidade de cada artista em uma composição e, depois, passamos a desenvolver nosso próprio potencial criativo para nos expressarmos por meio da música”.

E assim acontece. Sempre me divirto com alunos novos que chegam para o primeiro dia de aula e descobrem que trouxeram o violão quase que pra passear. Primeiro ouvimos algumas músicas – inicialmente os deixo escolher as preferidas, depois sugiro outras – e analisamos tentando acompanhar com palmas até encontrar a pulsação, o tempo da música. É engraçado.

Eles ficam meio desconfiados com cara de quem diz “eu vim pra aprender a tocar violão e não bater palmas”, mas logo entendem a importância daquela atividade e as coisas fluem com naturalidade. Em seguida falamos um pouco dos artistas e do conteúdo das letras, e só então partimos para conhecer o instrumento e depois arriscar os primeiros exercícios rítmicos e acordes.

É isso aí, espero ter contribuído para esclarecer possíveis dúvidas de quem deseja aprender ou incentivar alguém, e dizer que aprender um instrumento é como um despertar, é como se a música já estivesse em você, só é preciso abrir as portas da percepção. Depois que isso acontece, aí chega onde eu considero o meu slogan: “música para toda vida!”.

Forte abraço, paz no coração e muito sucesso.

Jônata Waterkemper