Gôndola mortuária. Parte 3

Ainda em arrepios, Raul desligou o telefone, colocando os dois cotovelos sobre a mesa, em uma posição que segurava a cabeça com as mãos. Ficou ali, pensando se isso era apenas um detalhe ou o fato da Gôndola ter sido mortuária era o motivo dos últimos acontecimentos. Resolveu fazer as malas e ir até a Itália, precisava de mais detalhes e lá ele encontraria todas as respostas.

Descobriu que o Governo de Nova Veneza havia ligado para empresas que produzem Gôndolas na Itália para adquirir uma peça. Após a empresa passar o valor, incluindo frete da Itália até Veneza no Brasil, o prefeito caiu para trás.

Então, entraram em contato com o Governo da Cidade de Venezia, Itália. Pediram se eles tinham alguma gôndola já aposentada que tivesse servido a prefeitura e que hoje não se usavam mais. O prefeito teve que aguardar alguns dias até ter uma resposta da Itália, pois disseram que iriam averiguar no depósito da cidade e retornaram.

O telefonema veio duas semanas depois.

— Sim, nós temos algumas, podemos doar uma delas, mas ela está em estado deplorável, precisará de uma boa reforma. Ela era usada para transportar corpos para o cemitério. Era cedido para famílias muito pobres que não tinham como arcar com transporte. Só que, de tanto que foi usada, precisamos trocá-la e colocar uma nova.

Após sessenta dias, a Gôndola chegou a Nova Veneza já reformada e foi colocada no lago onde está até hoje. Após saber de tudo isso, o delegado ficou surpreso, mas precisava saber mais. Voltou para o Brasil e procurou alguém que pudesse lhe ajudar de uma maneira espiritual. Encontrou em uma igreja, na cidade de Içara, um padre conhecido por fazer exorcismos e desvendar mistérios sobrenaturais.

No dia seguinte, o padre chegou à Nova Veneza com um monte de apetrechos e foi recebido por Raul. Na primeira visita à gôndola, logo sentiu algo muito negativo no lugar. Orientou o delegado a isolar a gôndola e não deixar ninguém mais chegar perto. Em instantes, o boato correu pela cidade toda.

Era claro o medo nos olhares das pessoas que ali passavam. Na mesma noite, o padre pediu para que o delegado ficasse na parte de fora do lago, pois ele entraria na água para tentar entender o que estava acontecendo.

Levou consigo uma a bíblia versão Almeida Junior traduzida para o Latim. No bolso, ele colocou algumas moedas para ver se elas seriam roubadas como ocorreu anteriormente. Raul, do lado de fora, segurava uma corda que estava envolta da cintura do padre, tudo para garantir que não corresse perigo. Fazia frio e ventava pouco, mas, quando o padre começou a falar algumas palavras em Latim, o vento aumentou brutalmente. Parecia que a gôndola querer sair do lugar.

O padre, com os olhos fechados, sentiu algo em seu bolso, onde estava as moedas, sua calça foi inflando até esvaziar, quando foi verificar, elas não estavam mais lá. Foi no mesmo momento que ele foi tragado para baixo de uma forma repentina, as águas continuavam a chacoalhar como se estivesse algum tipo de motor que jogava-as para cima.

Isso atrapalhava muito a visão de Raul, que puxava a corda com toda força que tinha, mas de nada adiantava. Até que, pouco tempo depois, as águas foram se acalmando e o padre foi boiando. O surpreendente é que ele não estava inconsciente, mas exibia uma aparência bem assustada, que dava arrepios no delegado. O padre saiu do lago e contou tudo que tinha visto.

–       QUANDO FUI PUXADO PARA BAIXO, EU VI CORPOS POR TODA PARTE. ELES USAVAM ROUPAS RASGADAS COMO SE FOSSEM MENDIGOS, MAS TINHAM ALGODÃO NO NARIZ E OUVIDOS. ELES ESTAVAM MORTOS! NO MEIO DELES, HAVIA UMA PILHA DE MOEDAS BRILHANTES QUE OS CORPOS ENGOLIAM E, LOGO APÓS, VOMITAVAM. UM DELES JUNTAVA AS MOEDAS E COLOCAVA EM UM SACO E SAIA DO LAGO. E OS OUTROS COMEÇAVAM A RIR. FOI NESTA HORA QUE ACORDEI E, QUANDO ME VI, JÁ NÃO ESTAVA MAIS SUBMERSO.

Tudo fez sentido quando Raul disse ao padre que a gôndola era funerária na Itália e que era usada para transportar pessoas muito pobres, que não tinham condições de pagar algo particular. Imediatamente, o padre disse que os mortos estavam ali e que vieram junto com a gôndola, eles estão revoltados com a cidade, pois quando precisavam de dinheiro nunca ninguém os ajudou, perderam filhos, mulheres e parentes, por falta de dinheiro, morreram de fome, doentes e até de frio.

Agora, eles sentiam ódio do dinheiro. Por isso que devolverem a seus donos. Mas isso era só o começo, disse o padre. Depois que não tiver mais moedas, eles começaram a levar as riquezas da cidade embora, até que a cidade se tornar em ruínas.

Hoje, Nova Veneza vive como se nada tivesse acontecido, devido a estratégia do prefeito de, todos os dias, no final de tarde, despejar dois baldes de moedas para que os mortos a levem de volta para ele e não mexam nas riquezas da cidade.

Os turistas voltaram a frequentar a cidade e ainda jogam algumas moedas que são retiradas pelo guardinha do local, antes que ele despeje os baldes do prefeito. Afinal, nenhum turista gostaria de acordar e ver que a moeda que ele jogou está embaixo da porta de sua casa. Esta estratégia mantém tudo tranquilo na cidade. E, tomam o cuidado de, a cada troca de prefeito, passar missão de jogar as moedas para os mortos. E o que os moradores e turistas não sabem é que existe uma grande maldição na praça da cidade