5. O jogo se inicia

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Cheguei em casa as onze como previsto. Caminhei uma pouco mais depressa do que o habitual. Isso fez com que meus joelhos doessem um pouco mais que o comum. Mas não importava-me isso agora. Mesmo o tempo estando um pouco frio, sentia as gotas de suor escorrerem pelo meu corpo. Corri para o quarto buscar meu telefone, e para meu alivio consegui enfim salvar o número de telefone daquela bela mulher que fascinava-me tanto. Perguntava-me eu, como poderia estar tão entusiasmado com tudo isso? Não entendia ao certo. E para lhes ser sincero estava um tanto espantado, afinal em 25 anos de vida, nunca antes tinha sentido tal coisa.

Decidi então nomeá-la de Flor. Afinal, não sabia seu nome, e o seu perfume que ainda viajava pela minha mente arrancando-me suspiros, fazia-me recordar um campo florido. Sentado à frente de minha escrivaninha acredito ter ficado umas duas horas olhando para tela de meu celular afim de enviar uma mensagem. Escrevi várias coisas, porém nada parecia-me ser bom o suficiente para o momento. Pensava que uma mensagem seria algo muito obvio. E afinal, meu livro ainda estava com ela. Enquanto deliciava-me com a tela de meu celular acessa com o numero dela, parei para reparar ao meu redor. Percebi então que meu quarto estava uma verdadeira bagunça para não dizer coisa pior.

Como alguém consegue viver em um local assim? – perguntava-me sozinho.

Não precisei de muito mais de 2 horas para deixar tudo brilhando. Organizei meus livros, que descobri não serem poucos. Troquei a roupa de cama, que acredito já fazer uns dois meses que não era lavado. Varri o chão e acabei por jogar fora uns três sacos de folhas velhas e lixo que tinha perdido pelo quarto. Definitivamente não parecia mais o mesmo. Senti até mesmo meus pensamentos aumentarem e decidi então voltar a concentrar-me na mensagem para Flor.

Já eram quase duas horas da manhã e pressentia que a missão seria difícil de ser cumprida, afinal já tinha mais de vinte minutos que havia voltado para o telefone e ainda nada havia saído. Escrevia, lia, reescrevia e de repente tudo se perdia novamente. Nada era suficientemente bom. Nada agradava-me ou parecia que a agradaria. Perguntava-me novamente o porquê de tudo isso? Parecia uma criança na expectativa de ganhar o presente de natal. Definitivamente, este não parecia mais ser eu.

Decidi então entrar no jogo. Lembrei que em meu guarda roupa jazia uma velha Olivetti que já nem sabia mais se funcionava. Afinal estava guardada a tanto tempo que a probabilidade de não mais funcionar era grande. Para minha surpresa, mesmo um pouco deteriorada pelo desgaste do tempo, não demorou muito para a marcar a pagina amarelada que coloquei nela. Pus-me então a escrever. As palavras de início saíram um tanto tímidas.

Seus longos cabelos loiros, que dançavam pelas curvas de seu corpo, misturando-se ao belo sorriso de seu olhar era a imagem que minha mente necessitava para viajar em meio a inspiração. Depois disso, não demorei mais de 10 minutos para formular uma pequena poesia que agora ansiava para entregar a ela.

 

A imagem que guardo de você,

E a mesma que por vezes me faz suspirar!

Ao lembrar de seus olhos a cantar,

A doce canção da emoção,

Que faz-me o coração palpitar!

Do peito querer fugir!

Ou mesmo deixar a mente relembrar,

Da beleza de seu olhar!

Que acomete minha imaginação!

Deixa-me sem razão!

Parecendo apenas um pequeno cristão!

Que não crê na salvação!

Lembrando do seu sorriso!

Do livro que me levaste!

E das incógnitas que deixasse!

Afim de serem quebradas!

 

Mesmo obedecendo os comandos e terminando a tarefa que a deleguei foi comum pouco de dificuldade que a Olivetti chegou ao fim desta pequena poesia. Sabia que era muito obvio apenas mandar-lhe uma mensagem. Por isso decidi então tentar de uma forma diferente. O problema era saber se teria coragem suficiente para tal. Quando terminei pensei em joga-la fora com os demais lixos que havia retirado, porem meu lado são negou-se a fazer isso, pois não são todos os dias que encontra-se uma máquina dessas perdida pela rua. Mesmo com um pouco de dificuldade para o trabalho, decidi dar a ela uma segunda chance.


Não demorei para estrar pronto. Eram quase seis da tarde e o ônibus não tardaria a chegar. Sentia meu coração palpitar, e por hora pensei que poderia acabar enfartando naquela parada. Diferentemente dos outros dias, hoje estava um pouco mais arrumado. Não atreveria dizer bonito, pois isso é algo muito subjetivo. A ansiedade que consumia com todas unhas de minha mão, fazia-me por vezes sentir a respiração ofegante. Existia agora uma espécie de bola em minha garganta. Isso tudo acredito que pelo fato da expectativa que tinha sobre tudo isso. Pensava eu como ela reagiria frente a um bilhete meu. Poderia ela ficar surpresa, com raiva ou sentimento semelhante? O jeito mesmo era segurara a ansiedade e esperar o maldito ônibus chegar.

Após o que pareceu-me uma eternidade, finalmente vi ele se aproximar. Até ali tudo estava normal como em qualquer outro dia. Novamente me apressei em abrir caminho, e não demorei para estar sentado em meu banco como de costume. Agora era torcer e esperar – pensava eu.

Estava realmente perplexo. Nunca imaginei passar por tal situação. Logo eu, que sempre condenei coisas desse tipo. Lembrava de seu rosto, enquanto a mão segurava o bilhete com todo cuidado para não correr o risco de amassa-lo. Em minha mochila trouxe umas duas cópias. Afinal não se sabe o que pode acontecer. Ainda em meu quarto olhei para aquele bilhete escrito na máquina de escrever, e de certa forma ele não havia me agradado. Como ela já estava a um certo tempo guardado, a tinta de sua fita corretiva estava um pouco enfraquecida, fazendo com que o texto não se demonstra-se muito nítido. Peguei minha pena e o tubo de nanquim e a reescrevi tudo a mão. Depois de pronto tive a certeza que todo aquele trabalho havia valido a pena, afinal, agora o texto tinha um charme em especial.

Estava quase chegando a parada na primeira faculdade e para minha surpresa ela não havia vindo novamente. Senti meu rosto corar. Toda a expectativa e adrenalina que tomava conta de mim por este momento, agora davam lugar a prostração, que fazia meu corpo se curvar. Havia uma garota ao meu lado, que ao perceber isso fitou-me de forma um tanto estranha.

Enfim o ônibus parou. E ai tive a certeza de que por hoje estava tudo perdido. Porém ainda existia esperança. Guardaria o bilhete para amanhã poder novamente tentar. E se amanhã talvez não desse certo, tentaria novamente no outro dia.

  • Tens uma resposta – disse-me a garota ao meu lado, que até pouco olhava-me de forma estranha.

Assustado, e sem entender direito o que estava acontecendo, limitei-me olha-la fixamente.

  • Já tem uma resposta para ela – perguntou-me novamente.
  • Resposta para quem? Quem é você? – respondi a estranha ao meu lado.

  • quem sou eu pouco lhe importa! Quero saber se tens uma resposta para levar a menina que ontem lhe escreveu.

Agora realmente assustado, olhava para ela fixamente. Não sabia o que fazer. Não sabia ao certo se podia confiar nela, porém como meu tempo para decisão era reduzido, optei por tentar. O que poderia dar errado pensei. Sem os bilhetes que ela havia escrito a mim, a poesia não faria sentido algum, e afinal o único meio rápido para entrar em contato com a Flor, parecia-me ser ela.

Entreguei o bilhete que estava em minhas mãos. Continuei olhando fixamente para seu rosto. E para minha surpresa percebi um olhar sincero, que me fez acreditar, não sei porque, que aquela menina que não conhecia, não tentaria me enganar, e levaria realmente o bilhete para Flor.

  • Em breve alguém trata uma resposta – disse-me ela, pondo o bilhete dentro de sua mochila e saindo do ônibus.