Cinema: Diante de outro ponto de vista

Por Tadeu Spilere / Nossa Gente

O cinema nacional nos trouxe duas gratas surpresas neste ano: Casa Grande, de Fellipe Barbosa, e Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert. Filmes que, além da qualidade técnica, contemplam riqueza de conteúdo, propõem um olhar crítico sobre nossa sociedade tocando em mazelas históricas de nosso país, e nos fazem parar para refletir sobre questões importantes do cotidiano.

Em ambos os casos o objetivo é dar o protagonismo a quem geralmente não tem. É colocar no centro da cena aqueles que estão constantemente como complemento, como figurantes, como servidores do contexto. Desta forma, as produções propõem o exercício de se colocar no lugar, pois só é possível entender determinada realidade quando se observa com aquela perspectiva.

Em Casa Grande, o menino da classe média alta paulistana leva uma vida que considera comum diante daqueles que ele “reconhece”, mesmo que a família esteja enfrentando uma crise financeira. Mora em uma residência enorme, o motorista o leva para a escola da alta sociedade, tem à disposição todos os cursos necessários à boa formação, e o enfrentamento com o pai repleto de conservadorismo.

O choque acontece a partir do momento em que ele precisa aprender a ir de ônibus para o colégio. Naquele ambiente conhece e se apaixona por uma menina da periferia e, desde então, ela ganha o protagonismo da obra. Bastante consciente e perspicaz, ela apresenta para aquele garoto um mundo além da bolha em que ele vivia, o que gera debates interessantes, inclusive com a família da casa grande.

Um momento que chama atenção, por exemplo, é quando todos estão em um típico almoço de domingo ao lado da piscina. Surge um debate acalorado sobre cotas e, claro, há um confronto de experiências entre a menina e a família do garoto. Outra situação interessante é quando a família inicia uma conversa sobre o vestibular que o garoto irá prestar. As opções são determinadas pelo pai: Direito, Medicina ou Engenharia. A ideia do rapaz de prestar para Economia é rechaçada pelo patriarca.

Em Que Horas Ela Volta?, Muylaert retrata com maestria a relação entre uma empregada doméstica e seus patrões. A empregada, interpretada muito bem por Regina Casé, é o sujeito da história. Através do olhar dela, dos sentimentos, das percepções a trama se desenvolve. Situações tão corriqueiras e que, ao mesmo tempo, causam estranhamento para muitos, pois dificilmente personagens como este estão no centro do debate, raramente têm a palavra.

Esta obra vem sendo valorizada em vários países e representará o Brasil na disputa do Oscar. Mas o mais importante é a conquista do debate. É sempre muito necessário colocar em pauta a realidade desses trabalhadores, o que ajuda muito na busca por melhores condições, ganhos que já estamos testemunhando.

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